Ávidas criaturas
Aproximem-se sem demora o show iniciará em instantes. Deixem suas máscaras no portão de acesso. Aos que sabem o que digo cuidem de limpar as faces cruas. O sarcasmo a ironia e afins deverão ser deixados na portaria do teatro. Aos afetados peço livrarem-se das angústias que afligem seus corações. Aos portadores de felicidade não será permitido manifestações de euforia. Acomodem-se como queiram. O silêncio é condição essencial ao andamento do espetáculo que não poderá ser interrompido em hipótese alguma. O monólogo deverá ser a única voz a ecoar no recinto. Ouçam atentamente o que será dito nesta única apresentação.
O velho ator aguarda na coxia o momento de entrar em cena. Traz o texto na ponta da língua estudado em minúcias durante décadas a fio e queimado por uma chama distraída. Não se contém de emoção diante da oportunidade de revelar aos escolhidos a dedo a sabedoria expressa naquele tesouro achado nos confins da terra cuja autoria não se conhece e o conteúdo só a ele pertence até ali.
Caminha em direção ao centro do palco. É ovacionado com abundante entusiasmo pela platéia esperançosa das boas novas que vêm por intermédio daquele dedicado intérprete da arte teatral.
O velho rapidamente lança um prólogo de advertência: "senhoras e senhores o que tenho a lhes contar foi extraído de um antigo pergaminho e fará de todos um novo ser qual me sinto neste instante".
E cai inerte diante da multidão estupefata.