A GRANDE APOSTA
Alguém do recanto já disse isto: Tem histórias que houve e tem histórias que a gente ouve, estas eu ouvi, mas não posso dar o crédito, pois quem me contou também tinha ouvido, já faz parte do folclore mineiro:
Na região do triângulo de Minas existem duas cidades grandes cujos nomes começam com “B”, Beraba e Berlandia, nelas vivia o Zedaspostas, vulgo Zé das apostas, seu nome de batismo poucos sabiam, não era muito querido em nenhuma destas duas cidades, vocês vão ficar sabendo porquê. Ora estava numa ora esta na outra. Sujeito ladino vivia de expedientes, desde criança arrumava um jeito de levar a vida sem muito esforço, era tocador de viola e bom de baralho, aquela musica sertaneja, que dizia assim:
“Quem me ver assim, pensará que eu não trabalho,
Trago o dedo calejado da viola e do baralho”,
Foi inspirada no Zedaspostas, quando não era no baralho, era em apostas de galo de briga, nas raias de cavalo, mais recentemente ia pros Jóqueis Clubes do Rio e São Paulo onde tinha seus informantes das barbadas, mas o forte dele era apostas no bico mesmo. Fez a vida assim, se deu muito bem, podia–se ver pelos carros que desfilava, a casa que morava. Alguns chegaram a pensar que ele era dono das bancas de bicho das duas cidades, nunca conseguiram provar tal coisa.
Como o Zé ganhava muitas apostas a todo o momento chegava alguém querendo desafiá–lo, lá naquela região o pessoal não gosta de levar desaforo para casa, uma boa vantagem para sua atividade era que a pessoa que perdia no particular não saia divulgando para os demais, e ficavam torcendo para que outros caíssem na esparrela do Zé, o que lhe permitia apostar várias vezes as mesmas coisas, garantindo–lhe uma boa renda.
Um dia ajuntou um grupo de fazendeiros, querendo dar uma desforra no Zedaspostas, chamaram–no a um restaurante onde estava um valentão da região, Dito, o DITÂO, tipo assim, 2 x 2,com uma particularidade no físico, parecia aparentado do nosso saudoso presidente Castelo Branco, tinha um pescocinho curto, tanto que tinha um apelido, quase nunca falado na sua frente, Pescocin, quando alguém arriscava corria risco de morte, diziam que tal já houvera. Querendo desforrar do Zédaspostas, fizeram um desafio para ele:
– Zé, queremos fazer uma aposta com você, topas? – O Zé, que não fugia da raia, disse,
– Vamo lá, o que vocês querem apostar?
– Você conhece o Ditão, ali? – Indicaram com o beiço, Zé olhou, – Acho que sim, o famoso valentão! Só de vista.
– Pois, então, queremos apostar que você não é capaz de gritar com ele assim: Pescocin! Pescocin! E, ficar lá, sem correr. – Zé postou os olhos no valentão, que já tinha tomado umas, estava acompanhado de uma mulher elegante, com a cara de não muito amigo. Assuntou bem, pensou, "Aposta nem sempre aparece e estou meio fraco este mês e, não quero correr desta turma".
– De quanto é a aposta? Perguntou para os cinco.
– Cada um de nos aposta R$ 200,00, milão para você!
– É pouco, vocês sabem que vou correr risco de morte, tem que valer a pena. Eu topo por R$ 500,00 de cada, dinheiro casado, na mão do seu Juvenal, dono do restaurante. – Fazendeiro daquela região não foge por pouca porcaria, toparam na hora. Dinheiro na mão do Juvenal, o Zé com uma garrafa de cerveja na mão, se avizinha do dito DITÃO, bate nas costas dele e diz:
– Ditão! quanto tempo só. E, já pede licença para encher o copo de cerveja que estava quase seco, senta e começa a conversar, Ditão desconfiado fica de olho nele.
– Rapaiz! Não estou me lembrando de conhecer vossa senhoria não!
– Que isso Ditão! – Olha para rapariga, pede licença e se aproxima do ouvido do DITÂO e lhe diz algo.
– O cê tá sonhando rapaz nunca fiz isto não, não fui comigo não? – Ai, Zé se altera e diz em alto em bom som:
Pescosim! Pescosim! Ah, esqueceu né!? Tudo bem, então não era você mesmo. – Isto falou mais baixo, levantou e despediu–se. – Até mais ver amigo! – e saiu de mansinho, em direção ao caixa do seu Juvenal para pegar o resultado da aposta. Quiseram saber o que ele havia dito pro DITÃO.
– Eu disse que tínhamos, eu mais ele, pescado lá no ribeirão, na chácara das putas daqui, há anos atrás.
Tempos depois, chegou à região um fiscal da Receita Federal, a procura de sinais de riquezas exteriores, que fique bem claro, fiscal da Receita Federal, rapidamente ficou famoso na região. A todo o momento ouvia se falar que o Fazendeiro tal teve que vender uma boiada para pagar a multa da Receita Federal, todos temiam a visita dele. Um dia ouviram falar que o fiscal estava interessado no Zedaspostas, ficou abismado com a casa dele, resolveu verificar as declarações do IR, perguntou para alguns como o Zé ganhava a vida, o pessoal falou:
– Com apostas!
O fiscal admirou–se, resolveu marcar um encontro com o Zedaspostas para esclarecer isto, combinaram para a semana seguinte no contabilista do Zé. A cidade alvoroçou–se, até que enfim vão pegar o Zedaspostas.
Dia marcado, Zé comparece, cumprimenta o seu Toninho, o fiscal chega logo depois, após os prolegômenos usuais, o fiscal pergunta:
– Seu José, me explica como o senhor construiu esta fortuna?
O Zé impassível, responde:
– Apostando!
– Como!? Pode me explicar?
– Sim, vou mostrar para o senhor, vamos fazer umas apostas didáticas aqui, mas como faço de verdade, para o senhor entender bem. Vamos apostar um pouco. Não se preocupe que eu não sou besta! No final você vai ganhar a aposta, às vezes eu perco para não perder a freguesia! – Sorriu e continuou – com a fiscalização não se brinca, não é? – O fiscal ficou sem jeito, mas estava curioso, então resolveu entrar no bico do Zé.
O Zé num tom professoral disse:
– Vamos fazer uma aposta real, começando com pequeno valor, como eu faço na pratica, não se preocupe, disse novamente.
– Vamos apostar, por exemplo: Que eu mordo meu olho com meus dentes. Mostrou os dentes com um largo sorriso, eu aposto que mordo, tá bom? – Vamos casar o dinheiro, pois sei que aposta sem dinheiro casado não se recebe. Vamos apostar R$ 100,00 e entregamos aqui pro seu Toninho que guarda no cofre dele.
O fiscal meio constrangido, tira R$ 100,00 da carteira e entrega para o seu Toninho, juntamente com o Zé.
– O Zé sem muito rodeio, tirou o seu olho de vidro e mordeu o olho, e virou para o seu Toninho pegando o dinheiro. O fiscal fez cara de quem não gostou. Zé rapidamente esclareceu;
– Calma seu fiscal, isto é apenas uma aposta didática, no final faço uma pro senhor ganhar tudo. Agora vamos fazer outra aposta.
– Aposto R$ 500,00 que eu mordo o outro olho! – o fiscal pensou, "Ah esta deve ser já a aposta para eu ganhar, vou nela". Tirou suas últimas notas da carteira e, entregou para seu Toninho, aprendia rápido, Zedaspostas mais lento também entregou o dinheiro. O fiscal não se conteve, e disse:
– Seu Zé! Cego, sei que você não é, então você só pode ter um olho de vidro, a aposta é minha, não é? O Zé pede calma e tira a dentadura mordendo com ela o outro olho.
O Fiscal mostrou desespero e sentiu que estava tendo sua autoridade contestada. O Zé mais uma vez faz sinal com a mão pedindo calma, ao mesmo tempo em que pega o dinheiro com seu Toninho e, disse:
– Seu fiscal, até agora eu só fiz aposta sobre mim, coisas que o senhor não tinha conhecimento, não é? Então, agora vamos apostar uma coisa sobre o senhor, por exemplo: Eu aposto que o senhor tem hemorróidas internas, quanto quer apostar? Dez ou vinte mil? – o fiscal já tinha perdido seiscentos reais, não tinha como justificar esta perda em casa, sentiu que era a sua hora e, disse,
– Vinte mil, mas não tenho esta grana aqui.
– Ah seu fiscal, do senhor eu aceito cheque, afinal esta aposta o senhor não pode perder, não é? Pode fazer um cheque e entregue para o seu Toninho, eu vim prevenido vou entregar em dinheiro mesmo. – Seu Toninho providenciou um envelope e guardou o cheque e os maços de dinheiro no seu cofre. O fiscal estava aflito para por a mão no dinheiro da aposta, foi logo dizendo para o seu Toninho,
– Não carece guardar não, pode me dar aqui que eu não tenho hemorróidas, ganhei a aposta.
Seu Zédasapostas, sem perder a compostura, disse calmamente para o fiscal,
– Calma seu fiscal, a aposta ainda não acabou, não é? Todas as apostas que fiz com o senhor eu provei o que apostei, não foi? Agora quero ver isto ai?
– Como assim? Disse constrangido o fiscal.
– Oras, eu vou ter que sentir esta prova, se não o senhor não pode levar o dinheiro. Seu Toninho é testemunha da minha lisura nas apostas, não é seu Toninho? O contador meio sem jeito afirmou com a cabeça. O Zé continuou – São R$ 40.000,00 em jogo, eu trouxe luva cirúrgica e um pote de vaselina, não vai doer nada, o senhor pela sua idade, já deve ter tido esta experiência com proctologista, não é? Não se preocupe, que eu e o seu Toninho, que é contador, não vamos querer arrumar confusão com a fiscalização, não vamos contar para ninguém. – em tom conciliador disse, – Vamos, abaixe as calças em um minuto, estará tudo resolvido.
O fiscal pensou, "vinte mil, que se eu perder estou ferrado, por outro lado levo vinte mil e, também não sou mais virgem do cú, já fui tantas vezes no proctologista que já perdi as contas".
– Ta bom seu Zé, que seja rápido e indolor.
O Zédaspostas, deu um sorriso enquanto calçava as luvas e passava vaselina, chegou por trás do fiscal e fez o toque e constatou que por ali estava tudo em ordem, virou para o seu Toninho e disse:
– Pode trazer o dinheiro.
Seu Toninho foi até o cofre e trouxe o envelope e mais uma bolsa cheia de dinheiro. O fiscal viu aquilo e não entendeu nada. Seu Toninho lhe entregou o envelope com o cheque e os vinte mil em dinheiro. O fiscal perguntou,
–E essa dinheirama ai o que é? – Seu Toninho muito sem graça disse,
–Esta é a bolsa de apostas de Beraba, o dinheiro é do seu Zédaspostas, ele apostou com os fazendeiros e com os comerciantes da cidade que ia meter o dedo no cú do fiscal, e eu fiquei como testemunha e guardião do dinheiro.
O Zédaspostas deu uma gargalhada e disse ao fiscal,
– Seu fiscal como faço com este rendimento, vou ter que declarar tudinho? Tenho que escrever com detalhes o histórico desta receita?