Para Viver a Ternura

Thiago sentia-se atrapalhado no seu novo momento de vida. Tudo, em seus quartorze anos, estava mudando para ele. Sua voz modificara. Crescera bastante e ficara magro. Não conseguia andar de modo elegante, ficava um pouco curvo.

No entanto, o que mais o incomodava eram seus sonhos, mulheres apareciam fazendo-lhe carícias. Seu desejo era forte e incontrolável. Nos dias seguintes, amanhecia com vergonha da família. Era impossível a arrumadeira trocar tanto suas roupas de cama sem que isso fosse notado.

Seu pai o procurou. Thiago quase caiu de sua escrivaninha, que constrangimento!

Rômulo, seu pai, dissera-lhe: -Thiago, meu filho, o que está acontecendo com você é normal. Isso faz parte da mudança de corpo de qualquer homem. Você precisa encontrar uma mulher e aprender a fazer sexo. Chegou a sua hora , meu rapaz. Já não é um menininho mais. Pense em se preparar psicologicamente para um encontro. Se você quiser posso acompanhá-lo. Só não esqueça de usar camisinha.”

- Pai, respondera Thiago, eu não quero encontrar uma mulher por encontrar. Obrigado por falar comigo. Mas, por enquanto eu não quero mais tocar nisso. Deixe que eu me vire. Se necessário procuro pelo senhor.

No outro dia, Thiago foi para escola diferente. Olhava todas as meninas e imaginava deitando-se com elas. Portanto, era um pensamento rápido, não se tornava desejo. Na aula de literatura, porém, não conseguiu desgrudar os olhos de sua professora. Não ouvia quase nada que dizia. Parece que ela falava sobre Camões: “Amor é fogo que arde sem se ver/ É ferida que dói e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer”. Ele não entendera bem a poesia. Mas desconfiava ser aquilo que sentia: uma coisa queimando, um machucado invisível, uma vontade de sorrir com dor. Aquele sentimento embaralhado era o que sentia pela professora Marilane. Naquele instante, descobria isso. Quanto tempo vinha se perdendo nos olhos da professora, nas suas mãos deslizando no quadro? Tinha um cuidado especial para elaborar os trabalhos de literatura. Para as provas, então, estudava com garra.

Naquele dia, no final da aula, Marilane pediu: Thiago, por favor, fique. Preciso lhe falar. Ele quase congelou, ficar sozinho com aquela mulher?! É, ela é isso, uma mulher de uns 23 anos, uma mulher vivida e ele um meninão, inexperiente que se seduzira por ela.

- Pois não, professora, Marilane.

- O que há com você? Thiago, não presta atenção na aula há alguns dias. Você não é assim. Preocupo-me muito com seu comportamento. Imagine, é um dos alunos mais presentes na sala de aula.

- É, é que estou com dor de cabeça. Não tenho dormido bem.

- Ela pegou em suas mãos e disse: -“Procure dormir melhor, pois gosto muito de você.”

Thiago foi embora radiante. Ela segurou suas mãos. Que calor gostoso sentiu. Muito melhor que os sonhos.

No outro dia, não teve aula de literatura. Mas, ficou sabendo que no final do ano a professora iria embora, fazer mestrado. Descobriu o seu endereço e foi em sua casa. Ao chegar quem ficou totalmente surpresa foi Marilane.

-Thiago, o que faz aqui?

-Vim saber se é verdade que irá embora no mês que vem.

-Sim, vou continuar meus estudos.

-Entre, ela disse.

Quase não acreditou no convite, cambaleando foi rumo ao sofá e jogou seu corpo de menino-grande, espalhando-se para encher os vazios. Ninguém mais poderia sentar-se ali. E o medo de respirar o calor da professora?

-Thiago, disse ela, arrancando-o de seus pensamentos, o que deseja?

-Ouvir você dizer um poema. Vou sentir muita falta de suas aulas, de você. Arriscou-se ele.

-Está bem. Vou dizer um poema para você:

Menino que quer crescer

E tem o tamanho das árvores

Menino que quer tomar água

E vive o mar nas águas do rio

Menino que quer ser homem

E caminha por entre adultos

Menino que não pede nada

E revela um mundo no olhar

Menino, há tempo, olha o ar.

-Marilane, que lindo! Posso abraçá-la por dar-me a graça de ouvir estes seus versos?

Marilane e Thiago se abraçaram. Um abraço ardente. Aí ela disse:

-Thiago, eu sou uma mulher e você um rapaz, há muitas meninas que gostariam de estar com você.

-Por que diz isso professora?

-Porque suspeito seus anseios, o que anda pensando, desejando.

-Se eu me entreguei o que posso fazer? Causa-me calafrios. Seu corpo me acorda. Olho para você como a primeira mulher do mundo. Já não é Marilane. Eva voltou do paraíso. Queria aprender segredos com você. Tudo é desconhecido. Sinto uma grande perturbação na ordem do tempo, do certo e do errado. No entanto, me atiro. Não consigo me conter. Preciso falar. Desculpe-me se a ofendo.

- Sou sua professora. Você é meu aluno. É melhor ir embora agora. Não podemos ultrapassar limites. Nossas asas derreteriam. Lembra quando falei sobre limite, comentando o mito de Ícaro? Cairíamos. Isso é apenas um devaneio seu. Passará rapidamente. Tenho certeza. Não se preocupe. Encontrará uma menina da sua idade.

-Marilane, eu vou esperar por você. Mesmo que seja para uma despedida. Tchau!

-Tchau, Thiago.

Muitas aulas de Literatura foram dadas com professora e aluno tentando agir despercebidamente. Mas os dois foram se tentando pela simples presença, mais ainda porque se viam incentivados pelas metáforas, decodificadoras de sensibilidade, que eram a matéria de Literatura. Ele pensava: “Ela também está encantada comigo. Pois, sua voz suaviza-se ao me falar. Seus olhos crescem a pupila ao se dirigirem a mim. Muitas vezes esquece seu olhar no meu e se perde nas leituras”. Thiago deixava vários bilhetes para Marilane. Como: “Estou esperando o dia de seu convite”; “Sonhei com você esta noite, um sonho lindo”; “o dia que esquecer que sou seu aluno poderemos viver momentos inesquecíveis”; “Você é a pessoa que escolhi para fazer minha travessia de menino para homem”; “Os olhos são o espelho da alma” já dizia nosso gênio Leonardo da Vincci. Saiba: enxergo o que seus olhos tentam esconder de mim.” “Asa nenhuma poderá derreter quando se tem certeza da vontade de voar”.

Todo dia Thiago esperava um bilhete de volta.

Eis o dia da surpresa para o adolescente. Faltavam apenas dois dias para Marilane ir embora. As aulas já haviam terminado. Quando o telefone tocou em sua casa. Era ela pedindo: -“Gostaria de que me fizesse uma visita.”

Que banho o rapaz tomou! Usou seu melhor perfume! Sua roupa mais adulta e rumou feliz ao encontro de sua ex-professora. Ao chegar, os dois nada disseram. Abraçaram-se e beijaram-se. Thiago pensara não saber amar, tinha medo e imaginara-se, quase sempre, muito desengonçado. Marilane sabia levá-lo de um modo que o fizesse se sentir experiente. Passaram a noite e Thiago descobriu o prazer que lhe vinha ressonando na cabeça desde os tempos em que começara a ouvir poemas na voz daquela mulher.

No outro dia, encontraram-se novamente e ela falou: -“Hoje fiz um poema para você, quer ouvir?” – “Claro,” respondeu ele.

O menino para se tornar homem

Há de querer colher flores para seu bem

O menino para se tornar homem

Há de querer tocar seu amor como a uma pétala

Que guarda em si a força de uma árvore

O menino para se tornar homem

Há de saber pôr os olhos no ser amado, como quem vê estrelas

O menino para se tornar homem

Há de ter a força pueril da criança para sempre...

Tiveram uma poética noite de amor, regada a chocolates, vinho, pétalas de rosas, música de Mozart... Os amantes despediram-se como se tivessem ido por caminhos muito longos, distantes e duradouros.

Thiago haveria sempre de ter saudades de Marilane. Pois esta o iniciara na vida de homem de uma forma suave e feliz. Para ele, era como se houvesse vivido um ano, não simplesmente dois dias. Ela se fora para sempre. Ele ficara homem para sempre, sem esquecer o recado poético: um homem não deve perder a delicadeza infantil.

Neusa Azevedo
Enviado por Neusa Azevedo em 24/01/2012
Código do texto: T3459300