O viajante (mini-conto)

“O viajante percorre caminhos desconhecidos, vê pessoas desconhecidas, não chega a formar relacionamentos. Está desprotegido, pois não conta com esquemas de ajuda mútua. Percorre os caminhos por própria conta e risco. Quando chega a hora de morrer ele, simplesmente deixa-se cair, solta a sua pequena trouxa e entrega a sua carcaça à natureza. Isso é tudo, uma vida foi consumida. A chama tênue se apagou. Tudo retorna ao seu ponto de origem, ao nada...”.

Jainito, acho que era seu nome, deitou-se ao lado da fogueira. Preparava-se para dormir, escondido numa praça suja da cidade. Muitos discípulos que pareciam mendigos o rodeavam. Ouvimos, ainda, o final de seu discurso, vindo, em voz cavernosa, de sob o pano sujo que servia de cobertor.

“Vocês se consideram viajantes? Encarem o planeta como um local onde encontraram abrigo. Aqui há um lugar para dormir, obter alimentação, encontrar outros viajantes, conversar. Mas não se esqueçam: temporariamente as estradas estão bloqueadas e temos que continuar esperando na estação Terra...”.

Depois dormiu, enquanto montávamos guarda para que nenhum filhinho-de-papai tocasse fogo no seu corpo. Mas a cidade não dormia, ouvíamos o ruído de multidões que trabalhavam, mesmo de madrugada.