E Quico?
Pelos cuidados que a sua dona lhe dispensava, nada o diferençava de um ser humano. O zelo era tamanho que extrapolava as raias da normalidade. Era amor roxo o que ela dedicava ao bichinho! E tudo começou quando a moça foi visitar seus parentes numa vila do interior. O animalzinho lhe foi entregue por seu primo, que se compadeceu da situação em que o encontrara: quase desfalecido. Havia se esbarrado numa parede caiada de branco e estatelou-se no chão. Com parte do corpo depenada e sem forças para alçar voo, parecia mais um pinto “buguelo”. Ainda assim, a moça aceitou a doação, mas, mesmo ante o estado crítico da ave, aparou as asas para evitar uma possível fuga. Em sua residência, no quarto destinado aos hóspedes, arranjou um local especial para ele dormir. Transformou uma caixa de sapatos vazia em um hotel duas estrelas, com caminha, agasalho para ele suportar o frio, e tudo mais que um exigente hóspede reivindica! A comida era farta. Dava de tudo e a todo o momento. Às vezes, até alimentos que não faziam parte do cardápio que a natureza elaborou para a sua espécie. Era tanta comida que dava gosto vê-lo de papo estufado, andando pela casa jogando o corpo, ora para um lado, ora para o outro, como se fosse ao encontro de um desafeto que o estivesse esperando para a prática de um renhido duelo. Certamente o desfile de elegância da pequena ave era a forma de agradecer a vida nababesca que estava levando naquela casa. Quico foi o sugestivo nome escolhido para o batismo da cria. Durante o dia, tinha toda a regalia de circular livre pela casa. Bem alimentado e cheio de mimos, em pouco tempo recuperou a bela plumagem. Ficou elegante! As penas verde-oliva brilhantes refletiam a melhora na saúde que ele já havia conseguido após o fatídico esbarrão na parede. O danado passou a ser a atração dos moradores da casa, dos vizinhos e visitantes. Diariamente Celita o colocava dentro de uma gaiola e deixava na janela, tomando banho de sol. Entretanto, seus trinados estridentes chamavam a atenção de outros periquitos da mesma espécie, que se aproximavam da gaiola e ali permaneciam preciosos momentos dialogando algo imperceptível aos humanos. Talvez estivessem tramando uma fuga. Em se tratando de periquitos..., nunca se sabe! Com o excessivo carinho que recebia, Quico ficou tão apegado à sua dona que, no horário dele se recolher aos seus aposentos, saia procurando-a por toda a casa. Outra pessoa não servia. Com o passar do tempo ele conquistou a confiança de Celita, a ponto de ela deixar de cortar as suas asas. Asas crescidas..., passeios diários pela casa, observando cuidadosamente as rotas de fuga..., só lhe faltava o momento oportuno para dar o pulo do gato. Esse dia finalmente chegou! Os amigos que vinham constantemente lhe visitar na janela, trinavam numa mangueira pouco distante de onde ele estava, mas, não tão longe que ele não pudesse ouvi-los. Subitamente ele se desvencilhou das mãos de sua dona, executou um voo rasante pelo corredor da casa, tomou a direção do basculante do banheiro, única opção de saída que se encontrava escancarada, e escafedeu-se mundo afora, juntando-se aos comparsas que, ansiosos, já lhe aguardavam. Um aperto no coração e copiosas lágrimas despencaram dos olhos da moça, que até já havia manifestado o desejo de lhe dar a liberdade, mas não contava com a astúcia do Quico. Fazia planos de soltá-lo nas mesmas matas onde fora apanhado. Naquele inesperado momento, ela se sentiu como uma pessoa que teve a sua confiança traída.
Passados alguns dias, as pessoas que iam lhe visitar e que ainda não haviam tomado conhecimento da fuga espetacular, notando a falta do periquito, perguntavam imediatamente: - e Quico? A sua reação ao respondê-las era de grande consternação; como se houvesse perdido um ente querido. Os olhos marejavam e a voz embargava, enquanto discorria sobre a proeza da avezinha.
Uma coisa é certa. Não se deve confiar cegamente... nem mesmo em periquitos!.