Há um lugar, no subúrbio do Rio de Janeiro, conhecido como “Grande Mercadão de Madureira”, um aglomerado de lojas, gigantesco e variado complexo, para todo tipo de gosto e para todas as necessidades. Já são incontáveis as vezes em que ali entrei, mas uma delas foi especial e transformou-se num acontecimento que deu notícia, cujas trapalhadas e cenas hilárias tão cedo não vou esquecer.

- Que belo porquinho, papai! Compra ele pra mim!

- Impossível, querida. Peça qualquer outra coisa. Isto papai não pode levar para casa. Está engraçadinho agora, mas vai que ... nem te conto.

- Mas, o que pode ter de errado levar o porquinho para nossa casa?

- Meu amor! Este porquinho que está vendo ali vai virar um Porcão daqui poucos meses. Vai ser preciso muita comida e um local especial para criá-lo, entendeu?

- Nós temos um local, papai! Temos uma varanda enorme. Podemos fechar, fazer uma cerquinha e colocar ele lá.

- Minha fofa! Esse bicho fede, ele gosta de lama, sujeira; porque você acha que ele tem o nome de “porco”? Sabe quando a mamãe ralha com o Juninho: “Não deixa cair comida na mesa, seu porco!” é a esse bichinho aí que ela está se referindo.

- Mas, parece tão limpinho! Olha só a pele dele, tão lisinha e brilhante!

- Por enquanto, meu amor, por enquanto. Ouça, isto não é um bichinho de estimação feito aquela tartaruguinha que você tem lá em casa, ou mesmo os coelhinhos que a gente já teve, se lembra? Já sei, você deve estar comparando com os porquinhos da televisão, do Walt Disney, acertei?

- E não é a mesma coisa? É tudo porquinho.

- Não, meu bem, não é a mesma coisa.

- Tive uma ideia. Não é preciso deixar ele na varanda. Temos um quintal grande, não é mesmo? Então colocamos ele no quintal.

- Sim, temos um quintal grande. Mas, você esquece que temos outras coisas por lá? E precisamos de espaço para o carro do papai, para a mamãe trabalhar e para você brincar, também.

- Não me importo! Eu posso deixar de brincar no quintal.

- Além do mais, você esqueceu; não temos espaço para construirmos uma casa para ele, nem para a esposa dele. Não se compra um animalzinho só de um sexo. Eles são como nós, não gostam de solidão.

- Que legal! Então vamos levar um casal?

- Vamos ... quer dizer ... não vamos. Já disse que não temos casinha para eles; nem temos como construir uma.

- Não precisamos construir uma casa.

- Como assim?

- O galinheiro! Não temos o galinheiro?

- No galinheiro já estão às galinhas e os ovos; você esqueceu? É por isso que se chama galinheiro.

- Vamos tirar tudo de lá.

- E o que faremos, onde vamos colocar?

- Em lugar nenhum; ou melhor, aqui - disse, mostrando a barriga - vamos comer todas as galinhas e todos os ovos.

Fiz o que pude para distrair Raquel daquela ideia maluca. Passeamos por muitas lojas, principalmente as de doces e de brinquedos; procurei distrai-la de todas as formas para ver se se esquecia do tal porquinho e, pensei mesmo que tinha conseguido, mas me enganei.

- E então? Espero que esteja feliz com o nosso passeio.

- Sim, está muito bom.

- Acho que já é hora de voltarmos para casa; podemos ir?

- Sim. Mas, não pense que me esqueci. Vamos comprar o meu casal de porquinhos, primeiro.

- Não tive escolha. Como não queria presenciar uma cena de rebeldia, fiz-lhe a vontade, mesmo sabendo que agia errado. Acho que com a mãe eu me entenderia; pelo menos eu pensava assim.

- Você está louco! - disse minha mulher ao ver os bichos - o que pretende fazer com eles?

- Não sei. Vamos larga-los aí no quintal até que sua filinha querida veja no que eles se transformaram.

- Não, papai! Eles precisam de uma casinha.

- Um chiqueiro, você quer dizer - disse minha mulher - espere até que os vizinhos descubram que criamos porcos. Até que ninguém aguente a catinga e que a polícia bata em nossa porta.

- Com certeza, até lá já terão ido para a panela - eu disse e vi um princípio de choro na carinha de Raquel.

- O senhor não vai comer os meus bichinhos!

Reparti em dois espaços o galinheiro e abriguei os animais; aí começaram os meus problemas.

- Querido, um dos porcos arrebentou a porta do chiqueiro e está correndo atrás dos pintinhos! - Era um “Deus nos acuda”; perdi totalmente a minha paz.

Mamãe! Estão chamando no portão!

- A senhora me desculpe, mas alguma coisa anda errada em sua casa; por acaso vocês estão criando ... porcos?

- Bem ... é que a minha filha ...

- Eu não acredito! Então é isso! Tivemos um bebê há poucas semanas e minha mulher está de resguardo. Estamos, há dias, sofrendo com este cheiro insuportável. Se não tomarem uma providência em vinte e quatro horas ...

Já estavam em tamanho avantajado e Raquel não mais deles se aproximava; tinha medo.

- Precisamos fazer alguma coisa - disse minha esposa - vamos acabar tendo problemas por causa desses animais.

- Acho que não temos tido outra coisa desde que aqui chegaram.

- Digo: problemas sérios. Podemos ser multados ou acabar presos.

- Bem, o que faremos então? Levá-los para a panela está fora de cogitação. Se quer ver nossa filha transformada basta tirar dela os animaizinhos.

- Animaizões, você quer dizer. Ela sequer chega perto dos bichos! Acorda com o ronronar deles várias vezes durante a noite; está assustada. Penso que o maior bem, não só para nossa filha, mas para a vizinhança inteira é dar sumiço, o quanto antes, nestes porcos.

- Mas, ainda não vi como. Gostaria de ganhar algum dinheiro em cima de toda essa porcalhada ou, pelo menos, não ter prejuízos. Perdemos todas as galinhas e pintos, comidos por esses monstrengos.

- Eu te avisei que não ia dar certo; pesquisou o mercado?

- É só o que tenho feito; não compensa. Se colocar em números o que gastei em ração, a perda do galinheiro, o tempo e o trabalho que tive, só teria prejuízo. Os atravessadores querem pagar ninharia e os açougues preferem o corte. Não quero entregar de mão beijada o que me custou enorme sacrifício. Também não vou me dar ao trabalho de abater, muito menos de me indispor com a Raquelzinha. Vamos deixar vivos os porcalhões; eles lá que se entendam com os seus próximos donos.

- E quem serão esses donos? Você não está aceitando nenhum acordo; a não ser que pense em alguma espécie de troca, já pensou nisso?

Realmente, eu não tinha pensado nesta possibilidade; seria plausível. Mas, o que iríamos pedir em troca de um casal de leitões? Um casal de quê? De patos? Não, nem pensar, seria muito barato. Um cavalo e uma égua? Assim, também, não. Talvez algumas aves exóticas. Na verdade, fiquei mais confuso, embora fosse a ideia excelente.

- O que nos dariam em troca? - perguntei - e algo me disse, pelo sorriso estampado no rosto da minha esposa, que ela já tinha a solução do problema; ou do seu problema, em especial. Um, que eu, há muito, vinha protelando em solucionar pela simples falta de grana.

- Não calcula? - inquiriu ela, quase eufórica. - Olhe para trás; o que está me prometendo há meses?

- Uma máquina de lavar ... uma máquina de lavar! - repeti, cheio de euforia e nem precisei me mexer da cadeira, na varanda onde conversávamos. - Poxa! Que ideia!

- Não é ideia, não. É necessidade, mesmo. Só espero que seja algo digno ou, pelo menos, mais moderno e não aquela gerigonça que só ocupa espaço.

- É claro que sim. Há um jornal popular que só publica classificados; eles têm uma sessão de trocas e sei que funciona. Já fiz negócios ali.

Alguns dias depois, estava lá o meu anúncio. E, inacreditável, em letras garrafais, exposto na primeira página, como geralmente fazem com os anúncios mais engraçados e inusitados:

“Aceita-se uma máquina de lavar, em perfeitas condições de funcionamento, em troca de um casal de leitões, muito bem nutridos”

Nem é preciso dizer que, no mesmo dia, foi fechado o negócio e com o primeiro interessado; surgido antes das oito da manhã. Adquirimos a tão necessitada máquina.

- O senhor vai adorar os bichinhos, moço; não dão nenhum trabalho para nós - disse minha mulher, ainda do portão. Ela olhava a mercadoria salvadora, amarrada sobre a carroceria de uma caminhonete.

- Minha senhora - disse o homem, enquanto desamarrava - porcos não existem para serem admirados. Porcos existem para serem esfolados e degustados; é minha carne predileta. - Ainda bem que Raquel ainda dormia, inocente, e não ouviu esta frase. Também, se pudesse ter ouvido, é certo que não entenderia o significado de “esfolados e degustados”.

- Mas, que raios! Por que não colocaram os animais no chiqueiro antes de me receberem? - esbravejou o homem. Estavam soltos no quintal; era assim que os deixávamos a maior parte do dia, isto nos poupava muito trabalho.

- Acho que não haverá problema; é só agarrá-los e enfiá-los no carro - disse eu, inocentemente.

- Então, está bem. Já que, conseguir agarrar um porco é fácil para o senhor, estou aguardando no carro.

- Por que eu fui falar aquilo?

- Eu te ajudo, querido.

- Nem pensar! Pode deixar comigo.

Em quase dez minutos de pique tá, pique esconde e outros piques ao longo de cada centímetro do meu quintal, já era difícil distinguir, dos três, o mais porco. Até que, sem sucesso e sem fôlego, desisti.

- Afastem-se! - disse o homem, confiante e debochado, nas mãos uma corda em forma de laço. E, em não mais do que três minutos, já tinha, em seu poder, os animais, devidamente dominados e amarrados; obviamente que eu participara da aventura, cansando-os, como ele, espertamente, queria.

E assim, solucionamos um problema e atendemos a uma grande necessidade. Teríamos outro: explicar a minha filha o que fizemos com os bichinhos. Mas, este, foi o menos complicado. Ainda bem!

 
Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 09/01/2012
Reeditado em 10/01/2012
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