Mudanças

Era inquieto. Primeiro, levou essa inquietação dentro de si. Vivia num mundo restrito e confortável, e embora não se movimentasse muito, a inquietação o fazia observar. Observava e analisava, e absorvia o que aprendia com a voracidade dos inquietos. Desconfiava que havia algo além, mas não se movimentava muito: era restrito, mas muito seguro e confortável ali, onde ele estava. Assim, ficou sabendo muitas coisas.

Mas não sabia que a inquietação se inflava. E de inflar e crescer, ocupava cada vez mais espaço. Um dia ficou muito grande, e ele observou, aterrorizado, que haviam fissuras no céu do seu mundo. Já não havia tanto conforto; as fissuras aumentavam a cada dia, e ele começou a ver através delas coisas das quais sabia, mas nunca havia visto: cores. Teve medo. Mas sobretudo ficou inquieto ao extremo. E foi aí que ruiu o mundo todo: o céu, o chão, tudo eclodiu. Ele se assustou, mas depois viu um firmamento distante e verde. Se esticou e descobriu que podia movimentar-se.

Seu movimento era lento, e o mundo estava muito maior. Não era confortável, e ele sentia muita fome. Poderia facilmente desanimar; mas a inquitação não o deixava parar. Havia muito pra ver e explorar, e então ele se arrastava resoluto e insistente, os olhos inquietos querendo ir cada vez mais longe.

E ele descobriu muitas coisas das quais sabia, mas não tinha visto. Descobriu que realmente existiam outros seres, de tão diferentes formatos, cores e naturezas; e que alguns eram amistosos e tranquilos, enquanto outros eram agressivos, devoravam e matavam. Em sua inquietação, olhava para todos os lados, e descobriu que além do firmamento verde do qual ele se alimentava, havia outro, azul e inalcansável; ouviu e viu histórias dramáticas, e outras felizes, sentiu dores e prazeres, cores diferentes, odores estranhos, chorou e gargalhou, sempre adiante, sem conseguir parar em momento algum. Até descobrir que alcançara o topo do mundo.

Mas era inquieto, e por isso não se sentiu feliz. Olhou para trás e viu que o caminho que havia feito através daquele mundo verde, do qual se alimentava, ia sumindo entre novos brotos e partes marrom-avermelhadas, que o vento levava.

Era inquieto, mas naquele momento sentiu-se cansado e pesado. Tudo o que o alimentara enquanto se arrastava parecia-lhe agora um fardo. Tudo o que viu e experimentou parecia-lhe um fardo. A própria inquietação intermitente parecia-lhe um fardo pesado e cansativo.

De repente sentiu saudade da velha casca, aconchegante, confortável e segura. O antigo mundo havia ficado bem lá trás. Ele gostaria de voltar para pega-lo, mas já não saberia como: o caminho desapareceu. E ele estava tão cansado...

Maldisse sua inquietação, tornou-a um defeito grave. Revoltou-se, e decidiu reconstruir seu pequeno e saudoso mundo. Enquanto lamentava sua natureza inquieta, foi construindo ao redor de si chão e firmamento, limite e segurança. Não haviam cores, mas havia tempo. Não havia movimento, mas havia paz.

Muitas criaturas acharam que ele estava deprimido. Ele mesmo acreditou nisso, no dia em que fechou o último pedacinho de seu abrigo e enclausurou-se no topo do mundo, com tudo que sabia.

Mas, no firmamento azul, havia um Ser que sabia mais. Foi esse Ser que lhe deu a inquietação de presente, e por isso sorriu diante da revolta e nem deu atenção ás lamentações, enquanto esperava que aquela crisálida se tornasse mais uma bela borboleta...

Alessandra Barros
Enviado por Alessandra Barros em 08/01/2012
Código do texto: T3429816
Classificação de conteúdo: seguro