ESPELHO, ESPELHO MEU

Despertou mas não conseguia se virar na cama. Uma tremenda dor de cabeça lhe impedia o movimento, pois chegava a latejar. Com muito custo olhou o relógio e soltou um palavrão. Outra vez atrasado para o serviço. “Que merda!” – pensou ele.

Com muita dificuldade conseguiu chegar ao banheiro e foi direto ao espelho ver o estrago. Uma cara de quem não dorme há uma semana. Barba por fazer, cabelo despenteado, olheiras. O que mais queria? Depois de uma noitada em que bebeu todas as que tinha direito só podia dar nisso.

Olhou direto no espelho e começou a conversar.

- Espelho, espelho meu! Existe no mundo alguém mais sóbrio do que eu?

Para sua surpresa ouviu uma resposta.

- Claro que há. Tem o João, Roberto, Silvio, Alberto, Carlos, Rosana, Fernando, Gilberto...

- Pode parar! – disse irritado. Ainda por cima é um espelho gozador!

- Foi você que perguntou e eu respondi. – disse a voz.

- Devo estar ficando doido. Conversando com um espelho! Afinal quem é você?

- Sou você quando está sóbrio, sem a porcaria de bebida no organismo. Mas como faz tanto tempo que você não se vê assim vim lembrá-lo.

- Ainda por cima quer dar lição de moral! Pois sim...

- Quem avisa amigo é.

A “conversa” foi interrompida pelo toque da campainha. Era o Gilberto. Abriu a porta e ele foi entrando.

- Não vai trabalhar não? Hoje é segunda-feira e você está atrasado demais. Assim vai levar as contas logo, logo.

- Estou tentando. Aliás, o seu nome estava na relação que o espelho me deu.

- Está ficando pirado? Que história é essa?

Sentou-se e contou a história.

- Acho que você não deve ir trabalhar. Deve é ser internado logo.

- Vai lá ao banheiro e veja você mesmo.

Foi e não viu nada.

- Você deve estar mesmo com o miolo mole! Vamos logo, que eu te espero lá embaixo.

Voltou ao banheiro e falou para o espelho.

- Traidor!

Dia intenso e movimentado para o Valdir, na empresa. Com muito custo conseguiu por o serviço em dia.

Ao chegar ao apartamento, ao fim da tarde, foi logo pensando na noitada, no que ia beber e comer. Pelo jeito ia voltar naquele estado.

Entrou no banheiro e foi tomar um banho e se preparar para a festança. Quando ouviu outra vez a voz.

- Pelo jeito está com intenção de fazer aquela festa esta noite.

- E o que você tem a ver com isso?

- Só estou lhe avisando de que se continuar assim logo estará festando em outro lugar.

- Está com inveja! Quer ir em meu lugar?

- É uma boa ideia. Quer trocar por algumas horas?

Valdir topou a brincadeira. “Isso não vai dar em nada mesmo!” – pensou.

Em um segundo se viu em outro lugar, completamente cinzento e sem vida. Abafado que dificultava a respiração. Enquanto do outro lado, o seu “eu” se sentia liberto de uma armadilha. Ia viver a sua vida.

- Valdir, vou passear e não sei quando volto. Aí você vai ter um bom tempo para refletir. Se cuida.

E saiu.

Começou a ficar apavorado. Preso e sem saber como sair. O pânico tomou conta e começo a gritar.

- Espera! Estava brincando! Eu não bebo mais, nunca mais! Deixa eu sair daqui! Por favor, me tire daqui.

Levantou da cama com um grito que jamais tinha dado. Suava em bicas. Olhou em volta e viu o relógio que marcava três da manhã. Correu ao banheiro e foi direto ao espelho. E não viu nada. Pesadelo! Acordou de vez, pois sabia que não ia conseguir dormir de novo.

- Não bebo mais! Não bebo mais! – disse baixinho.