Anjos na torre
A multidão olhava para o alto sem acreditar no que os seus olhos estavam vendo. Na torre dos sinos da igreja um homem se movia freneticamente de um lado para outro numa espécie de dança incompreensível.
Todas as pessoas haviam sido retiradas de suas casas pelo som que ouviram bem no meio da madrugada, pouco antes da aurora, todos acordaram quando a melodia invadiu todos os domicílios, levada pelo vento, ou como se o próprio ar fosse o arauto da sinfonia. O som era tão alto e claro que, a música, em alguns momentos parecia estar brotando através da própria realidade.
As pessoas saíram de casa e começaram a se reunir em pequenos grupos pelas ruas sem saber ao certo que música era aquela, o que significava e de onde ela vinha exatamente, mas aquilo ainda não seria o mais estranho que veriam naquela ocasião.
Alguns homens passaram correndo na direção da igreja.
_ Vem de lá! _ Gritavam._ O som vem da igreja!
Pouco a pouco as pessoas começaram a se aproximar da antiga igreja abandonada.
A igreja era uma construção de cem anos, fora a primeira edificação da cidade, feita na parte mais alta do município, em estilo neo-gótico com uma grande torre central onde ficavam os grandes sinos que em outras épocas, costumeiramente, convocavam os fiéis. Mas que há mais de vinte anos estava completamente fechada e entregue totalmente às intempéries. Seu estado de conservação atual era lastimável.
Ao redor dos sinos havia espaço suficiente para que uma pessoa pudesse transitar com certo conforto, tal espaço fora geralmente utilizado para a limpeza do local e manutenção dos sinos que atualmente já não ocupavam mais seus devidos lugares. Além de ser um ótimo ponto de observação de toda a cidade. Mas não naquela madrugada.
Ao redor do campanário uma grande quantidade de pombos voavam de forma orquestrada fazendo uma série de evoluções em pleno ar acompanhando a própria música que saia da torre.
Os pássaros, atuais moradores do interior da igreja, giravam ao redor da torre, em seguida mergulhavam como se fossem se chocar com o solo e depois erguiam-se novamente em giros extraordinários. Sempre houve muitos pombos na torre, mas nunca demonstraram aquele comportamento antes.
_ Estão enfeitiçados!_ alguém da multidão comentou atônito.
_ Não!_ outro disse._ Estão dançando.
Cada vez mais pessoas surgiam vindas de várias partes do município, como que trazidas pela sublime melodia que inebriava através do vento. E chegando ficavam completamente impressionados com a bela coreografia dos pequenos animais alados.
No campanário o homem continuava sua dança e algumas pessoas conseguiram perceber que ele tinha nas mãos um instrumento ao qual dedilhava sem parar com maravilhosa destreza, parecia uma harpa.
Tal homem que saltitava, abaixava, cantarolava e tocava incessantemente estava vestido com uma longa espécie de túnica branca que esvoaçava ao sabor do vento e de seus próprios movimentos musicais. Por vezes ele pareceu flutuar, mas ninguém soube se aquilo era apenas uma sensação ou se de fato o corpo do homem lá encima se erguia no ar realmente.
Mais pássaros se juntaram aos pombos da torre, vindos de outras partes da cidade ou talvez até mesmo de outras cidades, quem poderia dizer? O certo era que os moradores locais jamais tinham visto uma quantidade tão grande de pássaros como aquela. Eles giravam como se fossem formar um tornado vivo ao redor do campanário. Havia milhares.
De repente o som majestoso da harpa começou a se entrelaçar com outro tão belo quanto o seu; um segundo instrumento começou a tocar, mas os moradores locais viam apenas uma única pessoa até que outro homem surgiu saindo de dentro do campanário com outro instrumento em mãos, porém este era totalmente desconhecido, certamente se tratava de um instrumento de cordas, mas era diferente de tudo que qualquer um ali já vira antes ou veria na vida. Mas o som era simplesmente deslumbrante.
A música que estava sendo entoada ali seria capaz de induzir toda aquela pequena população a um êxtase sensorial, mas aquilo parecia não ser a vontade dos músicos desconhecidos. Pareciam apenas estar querendo dar uma tênue demonstração de sua obra.
_Como é possível que essa música esteja chegando tão longe?_ perguntou alguém.
_ Não é. _ Afirmou outro.
_Por que estão fazendo isso?_ Perguntou mais um._ Como subiram lá?
Para estas perguntas não haveria qualquer resposta plausível. Pois embora a igreja estivesse abandonada fazia anos, nunca houve vandalismos, invasões ou arrombamentos no lugar; era o próprio tempo que se encarregava de destruí-la.
A aurora começou a se insinuar para o nascer de um novo dia, as sombras da madrugada já estavam começando a se desfazer e uma névoa densa surgiu pousando como se as nuvens do céu tivessem descido até na altura do solo, encobrindo a torre, os músicos e os pássaros.
O assombro da população que até aquele momento parecia totalmente seduzida pelo som angelical foi ainda maior quando os pássaros voaram rumo ao céu batendo suas asas como se fosse uma multidão de soldados marchando, desfazendo sua formação coreografada. Repentinamente a música sublime desapareceu e com ela a névoa e os músicos.
A torre estava novamente vazia como sempre estivera e a cidade em silêncio; exceto pelo murmúrio provocado pelas dúvidas das pessoas que jamais entenderiam o que aconteceu ali.