Simplesmente Mulher

Sou negra e me orgulho de minha pele. Em minha infância, com sete anos de idade parecia mais negra. Trabalhava em uma carvoeira. O preto do carvão sujava o negrume de minha pele. Não distinguia a negritude de minha cor do preto escuro do carvão. O trabalho também não dava tempo. Os carvões se amontoavam em meus bracinhos miúdos. Quando a sujeira preta escorria, como água em meu corpo, eu olhava para mim e acreditava estar embranquecendo. Eu não sabia que brincar era muito melhor e maior para minha idade.

Casei novinha com um homem que não sabia ser marido. O casamento para mim foi uma forma de fazer a vida seguir adiante. Nenhuma novidade. Como se eu fosse uma peça de alguém. Água morna que se bebe e não mata sede.

Por isso não quero dizer se tive filhos no casamento. Amo-os muito. Todos os meus oito filhos. Acalento meu coração pensando em cada um. Todos são diferentes e carrego-os em minha alma. Apenas um deles mora comigo. Mas a distância do mundo não consegue separar a mãe de seus filhos. Agradeço a vida de cada um. Por isso me dediquei tanto às suas educações. Porque eles são o primeiro plano de minha vida e minha redenção.

Não me esqueço de um filho que nasceu, comigo sozinha. Fui parteira de mim mesma. Ninguém estava presente no momento em que as contrações começaram. Contorcia-me de dor. Pedia a Deus para que me ajudasse. E a criança pedindo para vir morar comigo. E ela vinha de mansinho, nascendo para a vida. Minhas dores cresciam. De repente, a palmadinha e o primeiro choro.

Quem são os pais de meus filhos? Mais de um, mais de dois, mais de três. São pais espalhados por este mundo de meu Deus. Se um dia isso importou, não importa mais, acostumei sem pai de filhos. Eles que sigam seu próprio rumo. Peço que não tenham desculpas para me pedir.

Na vida que chamam de fácil nada era simples. Fui mulher de muitos homens. Uns deitavam, gozavam, pagavam e diziam adeus.

Um dia, chegou um homem bem vestido, educado e com olhar conquistador.

Ele me tirou para dançar. Depois, um, dois, três drinques. Conversamos. Rimos. Ele me contou sobre sua vida. Falei de minha vida. Só neste instante, o beijo aconteceu. O homem me estendeu em seus braços. Levou-me para um quarto de cama com lençóis limpinhos, um lugar bem cuidado. Beijou-me todo o corpo acariciando-me como a uma pluma. Cada toque seu em meu corpo, eu vivia um arrepio do corpo aos cabelos. Cada toque meu em sua pele, o mundo ziguezagueava em ebulição. Passamos um longo tempo apenas no toque do desejo. Nosso beijo revelava línguas de algodão. As pernas se enroscavam e já navegavam no ar. As solas dos pés se encontravam e deslizavam fazendo cócegas pelo corpo. Os umbigos respondiam ao toque da nuca. Viramos caracóis. Gemidos, gritos e delírios de prazer. O orgasmo sentido, ao mesmo tempo, nos deu a sensação de que nossos corpos se postaram acima da cama, tão leves, não havia peso em lugar nenhum do mundo. Os beijos e as carícias nos acordaram para o dia.

Muitas foram essas nossas noites, tão nossas noites. Mas ele não tinha nome, endereço e um dia nunca mais voltou. Dentre todos os meus amores a esse eu mais amei. Tenho certeza que o orgulho de ser mãe de filhos de muitos pais eu ganhei um pouco com esse homem que soube me amar e me fazer reconhecer-me em minha vida singular.

Neusa Azevedo
Enviado por Neusa Azevedo em 03/12/2011
Reeditado em 03/12/2011
Código do texto: T3369975