Secondhandsowhat

Ambos com uma garrafinha de cerveja na mão, frente a frente. Nem bêbados, nem felizes.

- Sabe quando você não vale o ônibus errado que pega?

- Sei... O que acontece contigo?

- Tô num mato sem cachorro.

- Todos estamos.

- É.

Bebem.

- O pior dessa merda toda é ter a empáfia de querer, porém, NÃO PODER, mudar...

- O que te impede?

- O que te move?

- Dinheiro?

- Dinheiro!

Silêncio.

- Nem tanto por ele; ele não é o impeditivo, apesar de sê-lo.

- Acho que entendo.

- Um pouco de respeito do próximo ajudaria e economizaria...

- Dinheiro?

- Também.

- O que mais?

- Essa sensação de estar coberto de lodo em período integral.

Bebem.

- É como já disseram - prosseguiu, depois de sorver a cervejinha - "é foda procurar uma razão para tudo isso e ter como resposta uma foda entre dois inconsequentes".

- Cara!

- Quê?

- Seu nariz está sangrando.

- Deixa.

- Deixa?

- É.

- Por quê?

- Uma hora essa porra pára. Comigo vivo ou não.

- Caralho.

Bebem.

- Você consegue mensurar o tanto de lágrimas que uma simples bala na cabeça consegue estancar?

Silêncio.

- Bastante.

- É como já disseram: as lágrimas dos seis mil anos que o mundo é mundo seriam capazes de causar um dilúvio.

- Essa vida é terrível!

- Há quem diga que não...

- Compreendo-os, apesar da divergência tão abissal das realidades.

Sincronizados, destampam outra garrafa.

- Não dói?

- Viver?

- Não, o nariz...

- Ah, não. É libertador.

- Por quê?

- Dar explicação a isto é alienar o que sinto.

- Não entendi.

- Respiro melhor, depois. Fico zonzo, fraco, e, por conseqüência, durmo melhor.

Brindam. Bebem.

- Durmo com aquela esperança de que o sangue que perdi faça falta durante algum processo noturno e eu simplesmente não acorde neste mundo.

- Such a heavenly way to die, já disseram.

- Caralho, bem isso.

- É.

- Você também sangra.

- Mas não sinto.

- Queria eu, não sentir.

- Você acaba aprendendo... Taquifilaxia, eu acho.

- Placebo de taquifilaxia.

- Nossas almas são escaras.

- Amalgamadas.

- Doídas.

- Incorrigíveis.

- Irrefreáveis.

Bebem.

- Sensíveis demais.

- Com toda a anestesia que as envolve.

- Com toda ela.

Garrafa seca. Levantam. Olham nos olhos. Dão as costas um ao outro. Apagam as luzes.

Um deles deixa de existir.

O outro volta aos tormentos.

Até que a morte os una.

E os acalme.

28/10/2011 - 23h00m

Baron - Burn Out Like Firefly's

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 29/10/2011
Reeditado em 29/10/2011
Código do texto: T3304214
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.