Volteios do Pensamento

- Você virá?

- Para onde?

- Para o lado de cá.

- Mas, o lado em que está não é o certo “cá”.

- Claro que sim, aqui é cá.

- Mas aqui também é cá.

- Cada lado é um aqui, um cá.

- Então esqueçamos o cá, o aqui.

- Você virá para onde estou?

- O que tem onde você está?

- Um mundo cheio de dúvidas, incertezas e buscas.

- Então, não preciso ir.

- Por que não?

- Porque aqui também é cheio de dúvidas, incertezas e buscas.

- Certamente há diferenças das dúvidas, incertezas e buscas.

- Não sei, fale-me sobre as suas.

- As minhas dizem respeito aos sentimentos dos homens, de onde viemos, o que somos e para onde vamos. E as suas?

- As minhas são sobre amizade, amor e Deus.

- Viemos do mito da grande explosão, do macaco ou de tantas teorias que existem por aí?

- A amizade é confiança inabalável ou sentimento efêmero?

- O que nos explica como ser?

- Que espécie de sentimento é o amor?

- Vamos para o além, onde chamam céus, ou terminamos na terra?

- Somos realmente frutos da imagem e semelhança de Deus?

- Não saímos de nossos próprios lugares. Cada um ficou no seu “cá”. Assim não é possível conversar. Somos apenas interrogações quando nos isolamos.

- Perguntamos sobre a origem da vida, a amizade, o que somos, o amor, para onde vamos, e Deus. Por que não falamos um pouco mais sobre esses temas?

- Certo. Então, ajude-me a pensar sobre a origem da vida que é um mistério.

- Eu penso como você: é um mistério. No entanto, acredito que esse mistério é uma parte do que nos constrói, não fico remoendo pela sua explicação. Quer tenhamos vindo de qualquer explosão que tenha originado o mundo, quer nosso início seja formado pela mão de Deus (no paraíso pelo pecado de Adão e Eva), o que importa é que somos esta massa indecifrável e é isso que nos torna como somos: mistérios tantos em busca interminável. Qualidade que tanto nos define: somos como revelação de nossa parte que morre, e não nossa parte que vive, quando nada buscamos. E você o que pensa da amizade? Sentimento tão bonito, porém, cheio de histórias de traições.

- Acho que na amizade devem ocorrer algumas buscas em comum. Na amizade requer-se caminhar por afinidades e quando, na grandeza das diferenças, não se quedar, mas erguer-se, porque o afeto amigo é o mais gratuito e livre dos afetos humanos. Os amigos almejam dividir suas indagações, conversar, muitas vezes, vergonhosamente, sobre seu erros, sonhar fortuitamente, realizar como trunfo. As traições, às vezes, ocorrem como a mostrar que o homem ou a mulher é também frágil e não consegue sempre seguir pelo caminho mais nobre, o ser se trai, parece até que assim quer dizer: a amizade é um bem melhor que ele mesmo, mas, não, talvez simplesmente seja um sentimento além do bem e do mal. Uma amizade pode se desfazer, mas não se deve esquecer que este sentimento foi íntegro um dia. E você o que pensa sobre o que somos? Às vezes acho que não passamos de pura matéria. Mas, indago-me sobre a alma.

- Não somos apenas matéria. Se assim o fosse, não seríamos mistério. Sobrevivemos com incertezas pela magia de nossa alma, que está além da matéria. É a alma que tem a essência de nos ajudar a construir o bem. Por exemplo, quando temos na mão um punhal e optamos por atirá-lo ao léu e acariciarmos com as mãos vazias, ao invés de ferirmos. Quantas vezes nos impulsionamos pelo invisível e sublime? Porém, o que pensa você sobre o amor? Sentimento que acumula tantas surpresas e decepções.

- Penso que o amor é um desejo de ir além do que se é. Um desejo que arranha as peles de um modo único. O amor é uma forma de se fugir da solidão de ser apenas um, vontade de misturar-se em dois ou mais. Por isso ele traz tantas surpresas, visto que não há como fugir do fato de sermos únicos. Todos apenas um, somente um. Talvez seja esse o maior conflito do amor. Não existe qualquer natureza de amor que vença a condição da solidão humana e universal. Quer se esteja só ou rodeado de pessoas amadas, o indivíduo não perde suas características particulares, aquilo que o define como inerente apenas a si mesmo, uma impressão digital. E você o que pensa sobre o lugar para onde vamos? Acredito que acabamos aqui. No entanto, às vezes essa crença não me basta, deve existir algo além.

- Nosso corpo é uma simples matéria que se decompõe. Mas a alma vai para o infinito. O infinito é o eterno. Eu me consolo com esse pensamento. Muitos acreditam que essa alma volta a viver outras vidas até que se purifique totalmente. Eu sou muito covarde para ficar indagando sobre esse mistério da reencarnação de almas. Mas, confesso que, para mim, se ligaria ao mistério e o tentaria explicar se tivesse coragem de ir mais fundo nessa indagação talvez encontrasse outras respostas. Por favor, passemos adiante. O que pensa sobre Deus. Acredito em sua existência. Porém, às vezes temo a fé. Pois ela é verdade absoluta.

- Deus para mim é uma idéia. Uma idéia da perfeição. Para se pensar em Deus, temos que aprender a vislumbrar a perfeição. E a perfeição é bondade sem restrições. Rio que corre com certeza que a correnteza se desaguará no mar. Acredito que não há seres que sigam a perfeição da correnteza dos rios, que vai soberanamente sem jamais indagar para onde. A idéia de Deus não constrói o ser humano como perfeição, porque somos todos muito incompletos diante da idéia de Deus. Acredito que agora nossa conversa teve um início. Aproximei-me de seu lado e você do meu. No entanto, esse diálogo é apenas o início de temas tão polêmicos. Quem sabe um outro dia possamos nos encontrar para trocar mais idéias. Temo tanto nossa imensa incompletude, já que no som de sua voz, ainda rumino aquilo que ouço em meu íntimo.

-Claro, não somos aquém de nós mesmos. Embora alguns acreditem nisso. Vamos continuar a discutir sim. Para mim foi um enlevo agitar meus pensamentos e tentar uma rápida conceituação do significado de algumas palavras tão moventes do nosso ser. Contudo, noto um grande teor de agressividade nos sentimentos das pessoas de hoje. Por isso, proponho, agora, que comece a pensar sobre a ternura no mundo em que vivemos.

Neusa Azevedo
Enviado por Neusa Azevedo em 25/10/2011
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