Wash Roach

Ele bota os dois pés no chão e coça a batata da perna direita. Seus dedos tocam em algo que se assusta e sai em disparada pra debaixo da cama; patinhas nojentas se arrastando por cima de caixas de sapatos vazias. As mesmas patinhas que o acordaram horas atrás, fazendo-o disparar às cegas rajadas e mais rajadas de inseticida. Acordou bêbado. De novo. Está fodido. De novo. Está sozinho. De novo. Por sua própria culpa. De novo. Há dias em que se pergunta se sua única missão no mundo é fracassar: consigo, com os outros, com as coisas. Com tudo. Dessa vez a dor é nova. É a própria sorte que fora abandonada batendo à porta com quatro pedras na mão. É o remorso guilhotinando seu pescoço. Seus nervos, à flor da pele, parecem corresponder a cada batimento cardíaco com miríades de pequenas dores. Ainda não amanheceu. Não se empolga com a idéia de consultar o relógio. Sabe que quando acordar e já for dia feito, começarão as humilhações - não que elas sejam injustas. É que ele já não tem mais forças para outro dia de tortura. Sim, outro dia de taciturnidade reflexiva; outro dia de flashbacks de seus erros perpassando sua retina de cinco em cinco minutos; torturando-o; oprimindo-o; compelindo-o à soltura de seus dedos da ponta do abismo sem fim o qual - com sua costumeira displicência - caminhou cegamente ao encontro - até que finalmente tropeçou. Pondera se vai ao banheiro ou não. Recorda-se de que o espelho se espatifou no dia anterior. É importante não ver o próprio rosto. É muito importante, nesses momentos, não ver a lama da alma transbordando e sujando o rosto. Essa lama transparente e salgada que escorre profusamente do rosto dele ás quatro e vinte e cinco da manhã de uma segunda-feira qualquer. Alma, lama... Não é à toa que são anagramas. Então, tendo consultado as horas, devolve a nuca ao colchão e cobre o rosto com o úmido travesseiro. Apertando-o. Sufocando-se com a umidade venenosa horas antes disparada em vão num inseto. "Até que não tão em vão assim", pensa ele, em seu derradeiro e - finalmente! - coerente pensamento.

10/10/11 - 04h25m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 10/10/2011
Reeditado em 10/10/2011
Código do texto: T3268155
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