UM GRANDE AMOR
- Os pais de sua mulher estão prestes a nascer!
O paradoxo da bombástica frase, o momento inadequado de sua inesperada pronúncia por aquela mulher de indumentária aberrante e colorida, provavelmente uma cigana, a complexidade da informação, a estranheza dessa abordagem súbita a um menino de nove anos ocupado em viver sua infância, tudo combinava para deixar o absurdo como algo vindo de quem certamente perdera a razão em algum tempo de sua existência. Decerto seria isso, pois ela não o conhecia, jamais o tinha visto antes, por sinal, portanto brincadeira de mau gosto não poderia ser, mas o alarmante é que a tal mulher aproximou-se dele decidida, séria, vindo sabe-se lá de onde e com que intenção, e quase o hipnotizando com o olhar tocou-lhe o ombro e o surpreendeu falando a enigmática afirmação em tom de profecia. Ou a completa idiotice, talvez seja melhor acrescentar. Depois, sem mais nada adicionar ao presságio, à guisa de ter cumprido uma preciosa e importante determinação, afastou-se e desapareceu na esquina mais próxima da rua de barro onde ele jogava bola com os garotos da vizinhança.
O menino, inocente, sem conseguir compreender por que a cigana lhe dissera tamanho absurdo, atônito, viu-a sumir, pensou rapidamente sobre o fato e, como não cabia em seu entendimento a razão daquela incoerência, deu de ombros por fim e riu para si mesmo com sarcasmo, julgando-a completamente maluca. E voltou a brincar indiferente, deixando para lá a óbvia insanidade. Então, como sói acontecer às crianças, escamoteou para um lugar escuro da memória a ridícula barbaridade e logo a esqueceu, era incapaz de ficar matutando sobre algo que fugia à mais simples idéia de bom senso.
O tempo transcorreu, a vida continuou, as águas passaram pela pedra do moinho e por sob as pontes, os anos se foram impassíveis e as brumas do cotidiano se encarregaram de refugiar no mais recôndito de seu âmago temas, fatos e ocorrências da infância, da adolescência, da juventude, como as esquecendo, como as transformando em poeira, como as deixando somente semilatentes, fragmentadas, assim amortecidas, talvez vivas, porém frias e murchas, parecendo mortas nos obscuros arquivos da memória.
Desdobrou-se nos estudos, esmerou-se nos sonhos mais vívidos, viveu os seguintes quase a correr, os devaneios bem à frente do presente, o amanhã chegando primeiro em seus desejos do que a mesquinha rotina, os passos indecisos tomando ares quilométricos, um dia seguindo o outro, as semanas, os meses, os anos tudo passando à semelhança de um filme de longa metragem em alta velocidade, o dia querendo a noite, esta ansiando o novo alvorecer, depois o entardecer, enfim mais uma noite próxima de outro amanhecer. Até que os anelos lhe foram sossegando na alma porque transformados alguns em realidade, outros tantos em fracasso, a maioria sendo tão-somente ilusão esmaecida no relampejar do tempo, uns e outros fazendo seu coração tranqüilizar-se com a pequenez dos tentos alcançados e dos objetivos vencidos que o destino lhe oferecia com a mesquinhez que lhe é notadamente peculiar. Metamorfoseou-se em adulto, enveredou pela trilha do mercado de trabalho, casou e formou uma família, tinha uma casa para morar com a esposa e os filhos, um carro para passear nos fins de semana, uma religião para adorar a Deus, atingira, enfim, a realização almejada por todos os seres humanos. Achava-se realizado como homem e como cidadão, havia cumprido sua missão de ser humano sem quebrar regras nem ultrapassar seus limites. Nada mais restava. A não ser a velhice abandonada e o inevitável destino de qualquer ser vivo: a morte.
Nem tudo, no entanto, seria assim, embora ele jamais ousasse sequer imaginar ou devanear tamanhas possibilidades. E foi assim que, certo dia, como também acontecera tantos anos antes, ainda na sua meninice, passe de mágica do repentino, veio-lhe à presença, mais uma vez, sem convite, inesperada e atrevida, outra desconhecida cigana e jogou-lhe na alma essa sentença:
- Tudo mudará, o que é já não mais será e o que foi deixará de ser.
Falou sem que ele questionasse, disse sem o seu esperar, não pediu nada pela certeza ou incerteza de suas palavras nem perguntou qualquer coisa, nem mesmo o olhou mais que uma só vez, para logo, já emudecida, se ir. Veio do nada e do nada se foi, misteriosa e desprovida de bom senso, difusa como os enigmas, desconexa, irreal. Como perturbações fluindo do sopro da brisa e dobrando imediatamente as esquinas, antes que espalhem pistas para serem compreendidas.
Ele, porém, já estava além do próprio limite de tanto escutar bobagens de ciganas. Não, desta feita não daria qualquer importância para elas, não representavam nada, desejava mesmo é que fossem todas partidas ao meio por raios de brusca tempestade e desaparecessem de sua vida pacata, chocha, apagada, insossa, mas serena, longe dos problemas, ainda que um tanto esmaecida. Não compreendia por que tanto assédio, o ser ele alvo dessas investidas imbecis, desses rompantes malucos de mulheres vagabundas. Por que elas o perseguiam a esse ponto, por qual motivo apareciam de tempos em tempos para dar esses nós cegos em sua mente, para toldar-lhe as idéias? Lembrou-se vagamente de outrora, de certa futilidade dita por um delas em sua distante infância, uma falácia, algo não tão claro em suas recordações, mas é certo que foram patuscadas, idiotices, como sempre, óbvio, e varreu mais essa da lembrança. Não valia a pena pensar nisso, as ciganas são todas mentirosas, sonsas metidas a saber das coisas proibidas pela lei da plausibilidade. Não é ao arrepio das normas que protegem os acontecimentos futuros que elas adentram a garantir conhecer os amanhãs? Não contrariam as palavras da Bíblia julgando ter a chave do porvir? A seara por onde costumam querer trilhar não é estrada para seus pés nem visão para seus olhos. Apesar disso, ousam e enganam tantos incautos. Assim, ele achou por bem afastar-se de sua presença influenciável, deixá-la falando sozinha. O que ele não sabia, todavia, é que, havendo cumprido sua inexplicável missão, a mulher não pretendia falar mais nada.
Resumia-se sua borrada vida, assim, a deitar o olhar no horizonte e permitir o agir da idade sobre si, inteiramente entregue aos ditames ditatoriais do relógio temporal, aos dias que o esperavam como idoso. A impiedade do tempo já começara a marcar-lhe o rosto por inteiro, as forças feneciam a pouco e pouco, a inevitabilidade da noite depois do crepúsculo, da velhice que se aproximava depois da juventude vivida, tudo seguindo a costumeira rotina, a pasmaceira usual na qual com certeza já haviam entrado seus contemporâneos. Restava-lhe, consoante ele decerto já esperava, envelhecer ao lado dos seus, aposentar-se, viver o resto de seus anos placidamente e aguardar o fatídico momento de passar para o outro lado. Nada mais!
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Ela ainda se lembrava muito bem da infância solitária, do distanciamento da mãe que precisava trabalhar para sustentá-la, dos seus medos e angústias, das tristezas e incertezas, das fobias tempestuosas, mormente a de nunca querer casar, principalmente com alguém muito mais velho que ela, recusava-se até mesmo chegar perto de homens idosos, mas estavam bem conservadas na memória as cirandas da meninice, os instantes lúdicos, malgrado para isso ter de desobedecer às determinações maternas que a queriam dentro de casa enquanto trabalhava, apesar da melancolia que tais recomendações implicavam; nas recordações, as amigas, as vizinhas que cuidavam dela de vez em quando dando-lhe atenção, carinho e cuidados, contudo houvesse quem a perseguia, maltratava e tantas vezes ousou ou insinuou olhares de desejo reprimidos quando ela chegava aos patamares do viço em que afloram mudanças corporais visíveis e palpáveis. Como os lançados por aquele desgraçado velhote morador das proximidades, que a vida posteriormente se encarregou de apunhalar com um câncer doloroso e mortífero. Parecia, pobre dela, fadada a ser vítima inocente de homens maduros mal intencionados, e isso a enojava sobremodo. Daí a ojeriza por homens de cabelos brancos.
O pai fora apenas o fator biológico para trazê-la ao mundo, um espalhador de esperma sem qualquer resquício de amor bailando no coração, verbo que provavelmente ele desconhecia, reles vetor masculino copulando pelo ímpeto do instinto, o homem a fecundar sua mãe pelo prazer do momento, deixando-a logo a seguir, descartando-a como se fora mera embalagem usada de algum produto a princípio atraente e, ao depois, sem graça. Então, quase como se jogada ao mundo pelo sopro da ventania passageira, era ela por ela com o débil suporte materno, amizades frágeis, bullyings infernais sofridos na escola, o coração cheio de sonhos, muita esperança segurando o poder de sua onda, chorando muito, o riso efêmero, buscando tanto e recebendo tão pouco, mas insistindo em sonhar, em procurar, em seguir em frente, em querer muito mais do que a vida lhe oferecia. Em meio aos rochedos, cânions e às correntezas bravias dos rios emocionais, ao marulhar atemorizador dos dias passando, ante as incertezas amadureceu, transformou-se numa linda e atraente mulher, casou com o primeiro namorado sem parar para refletir, não havia tempo, sua pobre vida, apressada por algo mais além de sua compreensão, pedia passagem e ela lutava para também ser feliz a qualquer custo.
A vida a dois exigia muito dela, extenuando-a, amargurando-a, infelicitando-a, levando-as às lágrimas incontáveis vezes. Precisava trabalhar duramente os dois expedientes para ajudar nas despesas da casa, encontrando um tempinho para estudar à noite, e tudo lhe era cobrado por ele, o pão que comia, a água que bebia, a roupa que vestia, as poucas ligações telefônicas que fazia, as mais comezinhas insignificâncias, como dividir o valor do condomínio e o total do aluguel do pequenino e simplicíssimo apartamento. O miserável sovina a tratava quase a pão e água.
Não se sabe oriundo de onde, porque tudo que é surpreendente tem certo ar de mistério difícil de ser entendido, quando menos esperou, num certo entardecer, um homem já bastante entrado em anos veio até ela e, sem mais nem menos, exclamou num doce tom de voz quase paterna:
_Você não está só, alguém logo virá e haverá muito amor, sentimento que só aumentará com o passar do tempo.
Ela, atônita, ouviu tal impropriedade num desses ocasos quaisquer de sua melancólica existência, enquanto trabalhava, enquanto pensava, enquanto sonhava sob o peso do mundo sobre seus ombros frágeis, enquanto acalentava mudanças. Incrédula, deitou sobre o desconhecido importuno um olhar cheio de interrogações e dúvidas, aquelas por exigir o porquê do atrevimento, estas por serem suscitadas inevitavelmente num momento assim. E se perguntava por que fora escolhida para, entre tanta gente nas imediações onde se encontrava, ser partícipe de tal comédia risível E aquilo, como se era de esperar, ante a respeitabilidade de sua condição de casada, deixou-a furiosa, abalada, contrariada. Não havia o mais ínfimo motivo, nenhuma tênue razão para acontecer tamanho descalabro. O que havia nela para atrair essa espécie de insolência? Ademais, com que direito, movido por qual impulso, o interlocutor vinha até sua presença, sem conhecê-la e lhe jogava no rosto a brusca afirmação incoerente? A ousadia de algumas pessoas, o atrevimento capaz de levá-los a abordar uma humilde trabalhadora para cuspir gracinhas, espirrar graçolas sabe-se lá com que intenção maldita! Aborreceu-se silenciosa, e assim permaneceu, somente endureceu o rosto para que ele entendesse e se afastasse, para que respeitasse as mulheres, principalmente as casadas que não davam cabimento para esse tipo de aproximação. Mas ele ainda disse algo mais, e falava mansamente, sério, talvez tentando acrescentar ares de seriedade à chacota inconcebível.
- Assim é, alegre-se!
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Quando as águas seguem em correnteza forte na direção do oceano levam consigo passado, presente e futuro, e para lá carregam com elas tudo que estiver à frente. No correr do tempo imperturbável vão-se os pensamentos, os devaneios e os anelos, mas também há ocasiões em que chegam e ficam estranhas coincidências, duvidosas fatalidades, clamorosos reencontros, pois viver é deparar-se com constantes surpresas. E isso torna homens e mulheres peças de um jogo disputado incansavelmente entre o destino e o infinito. Por conseguinte, muito pode acontecer como se no tom dessas mesmas correntes e à semelhança delas por analogia, bem assim em meio a esse interminável jogo, promovendo até, por vezes, o encontro das pedras, das folhas caídas no outono, dos galhos retorcidos, das coisas enoveladas pelo acaso e fadadas ao impossível, dos seres marcados para serem protagonistas de algo definido pelo inimaginável.
Foi nesse embate invisível que nos faz joguetes de mãos obscuras que aquele menino, agora entrado em anos e disposto a meramente esperar o momento de ir para nunca mais voltar, posto que ciente do limite a que chegara seu viver, ciente das brancas cãs, das inúmeras rugas, da flacidez natural em seu corpo, encontrou-se, por acaso, frente a frente com a mulher menos provável, menos evidente e, por esse ângulo, menos óbvia. Um e outro partícipes dessa trama armada às escondidas de suas próprias vontades. Somos, tão-somente, marionetes manipuladas por mãos hábeis e sarcásticas.
Ela, por sua vez, fundamental nessa jogada surpreendente, formosa, jovem, bela, atraente, semeando todos os seus sonhos e a eles regando carinhosamente no desejo de algo mais da existência, o plus há tanto almejado, cuja juventude despontava garbosa, viçosa, poderosa, estonteante, pujante, em seu clímax máximo, registre-se, ela que outrora tornara-se o não de quase tudo que lhe fosse desagradável, a esboçar o esgar ante determinadas reflexões por ela consideradas impróprias, sim também ela lá estava no tablado, em jogo sem o saber, a ponto de encenar o imponderável, o infactível, de fazer parte dos seus negares, dos seus talvez, dos seus jamais. Estava prestes a renegar axiomas que lhe eram como escudos protetores dos íntimos julgamentos precipitados, de dizer sim quando já dissera não a respeito, de confirmar o que ontem negara.
Não havia como fugir, de tanger-se, de escamotear-se, nem um nem outro. O que já estava escrito em relação aos dois, é certo, não poderia ser apagado, pois não o fora por mãos humanas. Como pedras de extremos diferentes roladas pela eternidade para se encontrarem alhures, assim também os dois. Então brotou a química, absurdo dos absurdos, porque ele coroado por cabelos brancos, marcado pela idade; ela sem um único fio alvo em suas belas melenas e desfrutando dos áureos anos jovens, tão nova, fina flor da beleza jovem. Ele, tão velho, folha enrugada pelas mãos cruéis do tempo. Apertaram-se as mãos apresentados que foram por alguém enviado, é provável, por um ou outro parceiro do jogo; ele, súbito cavalheiro, repentino galanteador, apertou a dela, pequenina e frágil, sedosa e macia, a princípio suavemente, depois aumentou a pressão e os olhos de ambos se depararam, os dele embuçados, toldados pelas olheiras, os dela vívidos, límpidos nas pálpebras e imediações. Ela, indefesa pela carência sobretudo dos afagos, sentiu, gostou, anuiu à mensagem daquele cumprimento titânico.
Aquilo não poderia nem deveria estar acontecendo porque mais que tudo era improvável, impossível, e, no entanto, acontecia, deixava-se à vista, um fogo inexequível queimava o ar respirado, passava de mão para mão, atravessava os braços, alcançava seus troncos e desaguava nos dois corações. Naquele instante ela não enxergava nele senão um lindo sentimento, agradável torrente de esperança, uma semente de certezas, e ele, sem compreender, mas feliz, via nela incomensurável turbilhão de beleza tanto externa quanto interna, principalmente esta, mas sem esquecer aquela, de vital importância também, e se percebeu atarantado diante do que fluía dentro de si, o algo novo, o sublime, o renascer da determinada alegria há muito desaparecida. Naquele instante semeou-se e brotou o sentimento que seria inconcebível, difuso, obscuro, mas tornado, agora, sobretudo lindo, puro, verdadeiro, amplo.
Vieram a cumplicidade do subreptício, das sombras das noites, dos entardeceres com seus olhares e suspiros, ele a realçar o tamanho da diferença de vivência em relação a ela, mostrando seus brancos cabelos, suas rugas, impiedoso consigo mesmo embora desejando não ter dito, mas ela, impassível, não prestava atenção a nada disso, havia nele algo muito além do mais, acima do especial, do inédito, que a fazia enternecer-se, apaixonar-se, embevecer-se, deslumbrar-se, morrer de amor por ele. Que, sem entender a amplitude desse conto de fadas nem a magnitude do turbilhão de êxtase transbordando em seu recôndito, como que agarrava-se ao poder sobrenatural desse sonho, da irrealidade tornada real, do “não pode ser” sendo, do improvável se provando lindamente. Um desejava ardentemente, mais que tudo, o outro. Tudo os ligava, abençoava, unia, amalgamava. Não tinham como fugir dessa vigorosa realidade.
O que poderia ser aquilo capaz de fazê-lo vislumbrar tanto vigor e formidável juventude que pensava desaparecidos de si, que o levava a descobrir alegrias julgadas mortas, sobretudo desejos que imaginava desolados? Ele percebia ser melhor não descobrir, não, ele não queria isso por talvez despertasse e caísse das nuvens. E nada há de melhor do que permanecer nas nuvens quando vivemos um doce sonho subitamente concretizado. Reencontrava ele assim, de repente, obsoletas alegrias abandonadas, abraçava-se a um oceano de probabilidades factíveis, voltava a sorrir a todo vapor.
Quanto a ela, deleitava-se a sonhar, entregava-se aos devaneios, seu coração dizia com todas as letras que aquele homem bem mais velho do que ela, com idade para ser seu pai, se bem nada disso importasse, destinava-se a ser o homem de sua vida.
Então, não conseguindo sobrepujar o poder do sentimento a ambos dominando, entregaram-se, amaram-se, e concluíram, a partir de então, não ser mais possível não gritar ao mundo o quanto se amavam e pretendiam estar juntos, desafiavam as convenções, o corpo jovem e viçoso unia-se cheio de amor ao já envelhecido e enrugado, contudo revigorado por esse amor caído do céu, firme, forte e potente, dispostos os dois mais que nunca a chutar o pau da barraca, a chutar o balde e assumir o sentimento a que sucumbiram soberbos, encantados, impetuosos. E assim fizeram altaneiros, indiferentes a tudo e a todos. A vida era deles, só deles, a ninguém mais cabia palpitar a respeito.
Escandalizaram-se familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos, porque tanto ele quanto ela eram envolvidos e comprometidos com os próprios cônjuges, as próprias responsabilidades amorosas. Surpreendia ainda mais o fato insofismável da gritante diferença de idade existente entre ambos, fator que por si só já se tornava alvo fácil dos comentários. Apaixonados, os pombinhos a tudo venceram, suportaram, ficaram indiferentes, seguiram de mãos dadas suas vidas sem depender do que saía da boca dos outros ou do que lhes fervilhava nas mentes sujas. Queriam-se, amavam-se, desejavam-se e ficariam juntos, com aprovação ou não de quem quer que fosse.
Acalmados os ânimos em passando o tempo, os dois foram contabilizando dias felizes por todo sempre de seus anos de amor, terminando aqui esse conto de fadas incomum acontecido em pleno século vinte e um e sob os olhos atentos dos que, invejosos talvez, fofoqueiros, quem sabe, os viram derrotar as convenções sociais, os tabus dos homens e lutar por um amor proibido não pelos corações, mas pela arrogância dos incompreensíveis. Amor vencedor, guerreiro, lutador, assaz bravo; sentimento imbatível a somar vitórias. Felizes, recordando instantes de suas vidas, tomaram ciência, rindo divertidos, de que o pai dela era oito anos mais novo do que ele, a mãe, dez anos mais nova, o filho caçula dele tinha cinco anos a mais do que ela, e nessa interessante descoberta dos fatos engraçados que cercaram a vida dos dois desde sempre, vieram-lhes à lembrança as previsões das ciganas e do desconhecido, ambos não tendo explicação plausível para o ocorrido, mas agradecendo pela união das descomunais forças do destino terem colaborado para que todas as estradas, esquinas e ruas levassem um para os braços do outro de forma inexorável. Com muito, incomparável e intenso amor.