GRAAL

Se de Minas trouxeste para mim as oferendas que trazia, agora deposito à seus pés o que de graça a ressaca deixou como fantasia - recebi um graal, de barro! É coerente seu protesto, considere a maré. E prossigamos por ali, que é de onde o sol nasce e nos obriga a contemplar aquela mistura de sangue e leite só possível no poema de Drummond. São conchas que o turista se cansou de resgatar, águas vivas mortas dadas aos urubus. Que os há na praia não se engane, é um que nos serviço presta. E não se pode reclamar da Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo pelo cheiro que se fará sentir depois do meio dia. São restos, migalhas, desproporções cheias de cores, rosas brancas e vermelhas. Sim, candomblé, mandinga, oferenda. Alguém acreditou e depositou, por fé, algo belo e sublime num túmulo líquido, e aí as temos. Passemos ao largo delas porque não é de bom tom que se interfira nos desígnios do alto. O mar se agiganta em ondas nervosas e por isso o pescador nem se dá ao mar, lança o anzol como mensagem de náufrago esfomeado. Contudo não foi por isso que viemos até aqui. Apesar da fome a contemplação foi o mote de nossa saída dos cobertores nas primeiras horas da madrugada. Parece um vaso, é um vaso. Está quebrado, mas já tive vasos que se quebraram e por isso mesmo ficaram mais interessantes. Aquele se ocupou de não deixar a água escapasse pelas bordas deixando as bromélias viçosas. A diferença está na ação da areia, do vento, da água que poliram, limaram, escovaram sei lá que diabo aconteceu, é um vaso. E porque são quase seis horas da manhã posso delirar e concluir que a ressaca deixou na praia esse graal. É meu, se depois de oferecido o temos de volta.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 02/10/2011
Reeditado em 03/12/2013
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