Octogonos Verdes, Triângulos Vermelhos, Círculos Amarelos

Ele não sabe o que fazer com o resto de seus dias. Se olha no espelho e lá está o reflexo de um pássaro que perdeu as asas e que, além de tudo, está preso em uma gaiola invisível; só lhe restou caminhar cabisbaixo por entre as cagadas que fez, bicando uma sobra de alpiste (seus parcos sucessos) aqui e algum resto de seca fruta (seus sonhos) acolá. Se sente rodeado de predadores sequiosos por puxar - mais? E há como? - seu tapete. Ah, como ele queria olhar-se vistoso, radiante e vívido diante do espelho! Mas ele não consegue nem ensaiar um mero meio falso sorriso sem que seus olhos delatem o que realmente sente: ojeriza pela vida; asco de respirar; ódio de ter de dividir o ar com quem ele quer fazer parar de respirar e... Apaga a luz e sua imagem no vidro vira o negrume que sua alma reflete. Vai até a varanda, sobe num banquinho, retira a gaiola do prego, desce, a coloca no chão e agacha. Dentro dela há um canário estático, empoleirado e indiferente às pontas dos dedos que deslizam por asinhas que não mais poderão fazê-lo voar.

Porque ele está cego.

Porque seu bico velou seu belo canto à vida depois que sua visão fora inexplicavelmente tolhida e ele não pôde mais apreciar o que na vida é belo.

Porque voar, afinal, já não é mais tão importante assim.

Então ele, o Homem, higieniza a gaiola, reabastece água e alpiste e a cobre com um pano velho. E, na cama, cruza os braços na nuca e aperta os olhos pra ver octogonos verdes, triângulos vermelhos, círculos amarelos...

21/09/2011 - 21h47m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 21/09/2011
Reeditado em 22/09/2011
Código do texto: T3233420
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