FRONTEIRA DO SILÊNCIO
 
                                                       Capítulo XI
 
   O dia amanheceu ensolarado. Pela janela observei as pessoas caminhando tranqüilas pelas alamedas floridas. Chamei Miguel e saímos para passear naquela linda manhã.
 
   O perfume das flores se misturava com o aroma delicioso de mel provavelmente de alguma colméia próxima. Enquanto caminhávamos Miguel observava as borboletas que dançavam em volta das flores disputando o pólen com as abelhas.
 
   Seguimos em frente naquela agradável caminhada quando entre as pessoas encontrei Jonas, um antigo amigo e companheiro de trabalho. Desde a tragédia que aconteceu com nosso navio que eu nunca mais o tinha visto. A alegria do reencontro foi recíproca e cheia de emoção, fazendo a nós, velhos companheiros, nos deixar dominar pela emoção e inundar nossos olhos com lágrimas, o que despertou a atenção do Miguel.
 
   Refeitos da emotividade do reencontro, procuramos um lugar onde pudéssemos conversar, pois tínhamos muito a nos dizer. Fomos vítimas do naufrágio do navio em que trabalhávamos embarcados e a tragédia que vitimou a todos infelizmente não havia deixado sobrevivente. Eu queria saber o que aconteceu com ele tanto quanto ele queria saber o que me aconteceu. Sentados em um banco de jardim começamos a conversar. Miguel sentado na relva à nossa frente era só atenção ao relato do Jonas que começou a falar tomado pela emoção da lembrança.
 
   Após a primeira explosão, subimos eu e outros companheiros para o convés principal na esperança de saber o que estava acontecendo, e tão logo alcançamos o convés, o navio sofreu uma segunda explosão. Só me lembro de sentir meu corpo arremessado no ar em direção à água iluminada pela lua. Afundei alguns metros e quando voltei à tona ainda atordoado vi o navio afundando rapidamente envolto em chamas enquanto destroços eram espalhados pela superfície do mar. Alguns companheiros gritavam desesperados, uns feridos, outros simplesmente em pânico. Agarrei-me em alguns destroços que boiavam perto de mim e procurei aproximar-me de alguns companheiros próximos. Consegui reunir um grupo de seis amigos aos quais orientei que ficassem agarrados a algum destroço para poupar energia enquanto aguardávamos um possível socorro. Em pouco tempo nada mais restava do navio a não ser a superfície coalhada de óleo em chamas e destroços que se espalhavam em várias direções direcionados por correntes marinhas.
 
   Não pude precisar o tempo, mas creio que por volta da madrugada conseguimos encontrar um bote flutuando onde subimos e ficamos à deriva, pois não havia remos naquele minúsculo pedaço de salvação. Pelo menos estaríamos em segurança e poderíamos recuperar a energia.
 
   O dia amanheceu e nenhum sinal de socorro, e assim o tempo foi passando e nossas necessidades aumentando. Lembro que depois de algum tempo, um dos nossos companheiros começou a delirar alando coisas sem nexo e querendo atirar-se ao mar. À custo o contivemos procurando acalmá-lo.
 
   A fome já nos torturava, mas não tanto quanto a sede. Não tínhamos nada para comer ou beber. De repente, por volta de meio-dia do segundo dia no mar, o rapaz que apresentava sinais de desequilíbrio mental atirou-se ao mar gritando por nomes, possivelmente de familiares. Em vão tentamos trazê-lo de volta ao bote. Ele nadava debilmente demonstrando sinais de fraqueza e quando um dos nossos amigos conseguiu segurá-lo por um braço, algo surgiu abruptamente por baixo do rapaz puxando-o para o fundo, fazendo que o amigo soltasse seu braço. Em segundos a superfície foi tomada por uma intensa cor vermelha. Era sangue! Sangue do pobre rapaz que acabara de ser atacado por um tubarão. Não vimos mais sinal do corpo dele e ficamos olhando aquela mancha de sangue na água que ia se dissipando em volta do bote enquanto atordoados rezávamos pela alma do pobre desafortunado.
 
   Assim, vagamos ao sabor das ondas e das correntes marinhas enquanto lentamente definhávamos pela fome e pela sede, vendo diminuir a esperança de sermos salvos.

 
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Cônsul POETAS DELMUNDO – Niterói – RJ
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 14/09/2011
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