A GRAVATA DO DEFUNTO

Ela vinha ao longo dos seus oitenta anos de idade, uma mulher pequena e forte, a caminho duma vida difícil, ainda residente no mesmo bairro de periferia, dito "de família", aonde nasceram seus pais e aonde também vinha milagrosamente sempre disposta a ajudar os vizinhos nas suas maiores necessidades.

Criara quatro filhos, seis netos, cuidara até os últimos dias do esposo vítima do mal de Alzheimer, e ainda socorria a todos os moribundos da rua.

Era "pau para toda obra" ,assim diziam todos os que a conheciam.

Trazia no peito exatos já idos vinte anos do "tum -tá" ecoado do seu relógio de pontualidade suíça, que nunca falhou em marcadamente lhe cravar um sincrônico "bate-estacas" de vida.

Só precisava trocar alguns fios ou a bateria do relógio, de vez em quando,ato que fazia com imensa emoção.

Dizia a todos que devia sua longeva existência a Deus e ao doutor João, o do postinho de lá, que certa vez a socorreu dum mal súbito cardíaco.

E desta vez parecia inconformada a lhe narrar, ao doutor e aos seus demais amigos, a sua mais recente experiência de morte:

"Imaginem vocês, o Agenor, nosso amigo, faleceu ontem de madrugada e a sua esposa, a dona Bene, nem para arrumar o homem com elegância! Tive que escolher e trocar, de última hora, uma outra gravata melhor, ao menos uma que combinava com as suas meias...senão ficaria muito chato aquela falta de bom gosto"

Dona Maga sempre deixou claro que a importância das gravatas não deveria ser substimada em ocasião alguma, nem nesta e nem na outra vida.

Insólita, às vezes, é a história que a vida conta.

Nota: verídico, nomes fictícios.