Modorra
Não importa. Nada importa. As pessoas sempre querem mais do que você pode oferecer. Pegam um carvão mental e vão lapidando até que ele se transforme num diamante - se transforme num brilhante e reluzente embuste, que, por sua vez, toma forma no alguém a quem aparentemente é o receptáculo de um amor-em-desvario. Eu estava habitualmente modorrento, caminhando pela estrada de terra, sentindo as pedras pontiagudas indo de encontro aos meus pés descalços; caminhando em direção a lugar algum, quando me deparei com aquele muro alto, com aquele portão enorme de aço aberto e com uma mulher com pouca roupa me convidando pra fazer sexo em troca de dinheiro. Corri. Corri sem olhar para trás e sem saber o porquê da movimentação desesperada das minhas pernas. Quando fiquei sem fôlego, diante de um gato preto de rabo torto, sentei. Sentei no meio fio, olhei os eucaliptos a minha frente, olhei a lua cheia acima de mim e balbuciei: "amigo, hoje não é um bom dia pra você ficar dando sopa na encruzilhada". "Sabe", quis desabafar, "parece que meus pensamentos todos são como manequins sem roupa". Tossi. Uma tosse com o peito chiando de tanto catarro que perdurava por duas semanas e tornei a falar: "Ou vice-versa". Continuei: "queria saber porque diabos o que queremos é tão dissonante do que podemos; do que somos, fazemos, vivemos... Pretendemos". O gato, por sua vez, abocanhou a ponta retorcida do rabo e pôs-se a rodar de forma que não pude mais vê-lo, camuflado na noite parcamente iluminada pelo luar. De imediato captei a resposta que ele quis me dar. "Até quando?", volvi ao vento, obviamente ficando sem resposta, deitando no meio fio frio e resvalando para a balsâmica inconsciência do sono.
Green Day - Redundant
08/09/2011 - 01h11m