Até que a vida nos separe - Dia 1 - Vodka
Sr. Connor, compareça com urgência ao saguão de emergência! Repito: Sr. Connor, compareça com urgência ao saguão de emergência!
Tsc, tsc... Nada que venha desse megafone com meu nome incluído costuma ser boa coisa. Principalmente quando a mesma frase inclui as palavras ''urgência'' e ''emergência''. Eu nunca tinha percebido que era uma rima... Que macabra essa poesia, pensei rindo para mim mesmo.
Como não tinha escolha, corri como um louco para a emergência. Ao chegar lá, percebi que realmente tínhamos uma emergência pela frente. Pelo que consegui ouvir de um enfermeiro muito agitado que consegui abordar, houve um assalto. O bandido parou a vítima, que reagiu e tomou 4 facadas em pleno abdome. Nada anormal. Casos assim já eram praticamente um clichê, ainda mais naquele hospital, que ficava num bairro relativamente violento. Segui a operação padrão: fingi que estava preocupado, ajudei em menos do que poderia, acompanhei a maca até a sala de operações e esperei lá até que me dispensassem. Foi uma verdadeira luta por aquela vida (Desfibrilador! AFASTA! Mais 200 volts! AFASTA! Sem sinal ainda! Outra vez! AFASTA! Resposta! Estabilizando!...). Como não podia fazer nada por ninguém ali, me apressei em sair. Nunca gostei de ver esse tipo de coisa, pessoas passando por uma situação dessas. Na minha opinião, a pena de morte é muito bem-vinda e aplicada para o miserável que tira a vida de um inocente.
Não sei dizer porquê, mas fiquei curioso com o desfecho daquele caso. Teria a vítima sobrevivido? Fiquei com esta pergunta martelando na cabeça por umas boas duas horas, e então meu turno acabou.
Sexta-feira. Ah, a sexta feira. Dia da minha fuga etílica. Saí do hospital, e passei uma meia hora perambulando pelas ruas do bairro, pensando na melhor maneira de aproveitar os 50 dólares na minha carteira. E assim, andando, passei em frente a um local que ainda não conhecia. Li o letreiro: Rock N' Blues Bar. Hoje é meu dia de sorte, pensei. Podia distinguir música lá dentro, então me concentrei para ouvir melhor. Still Got the Blues, do Gary Moore. Sim, hoje é DEFINITIVAMENTE meu dia de sorte! Abri a porta, entrei e olhei em volta. Típico rock n' bar, com seu balcão repleto de garrafas as mais variadas. Atrás deste, um garçom, numa atitude eu diria até cenográfica, limpava os copos com um pano. Nas mesas, poucas pessoas, aqui e ali. Não poderia estar melhor. Sentei ao balcão, pedi um Jack. 10 dólares. Mas nem prestei muita atenção no preço, pois estava ocupado olhando em volta, tentando traçar um perfil das pessoas que ali se encontravam.
Um homem baixo, barba por fazer, cabelos longos e pretos, com uma vodka à mesa, cantarolava baixinho ao som do Gary. Um casal, numa mesa mais central, já praticamente dormia um por cima do outro, cada qual com sua respectiva garrafinha à mão. Um tipo alto, com um chapéu que cobria boa parte do rosto, entretia-se com seu copo de whisky num canto mais reservado.
Estava nesse ponto, quando uma visão inesperada me sobressaltou. No fim do balcão, havia uma ruiva. Não qualquer ruiva. Uma ruiva escultural, absurdamente linda, cabelos longos, olhos verdes, que como toda ruiva que se preze, tinha a seu lado a famosa e aclamada vodka russa a lhe fazer companhia. Companhia ainda insuficiente, pensei comigo mesmo. Nunca havia visto tamanha beleza num corpo só.
Ela percebeu que eu não afastava por um segundo que fosse meu olhar, e para minha surpresa, deu uma piscadela e sorriu. Bom sinal. Tomei a coragem junto com o último gole de Jack Daniels, e me aproximei.
- Estive até agora me perguntando de onde veio essa vodka. Nunca vi nada igual em toda a minha vida.
- Não me surpreende - disse ela, com um muxoxo de descaso, adicionando um toque de malícia e ironia naquele rostinho branco e perfeito. - Vocês daqui da América não conhecem nada da arte da vodka russa. Esta belezinha aqui não tem igual em lugar nenhum.
- Talvez - eu rebati, me segurando para não agarrá-la ali mesmo. - Mas quando eu disse que nunca havia visto nada igual na minha vida, a bebida nem passou pela minha cabeça.
Ela riu de novo. Ótimo.
- Você não parece um cavalheiro, senhor...
- Connor. E realmente não sou um cavalheiro. Aliás, se você soubesse o que eu estou imaginando agora, levantaria desta mesa e correria para o mais distante possível de mim.
- Pode até ser... - disse ela, com um risinho torto no canto da boca. - Mas como você mesmo disse, eu não sei. Então por quê não arriscar, não é?
- Se você diz... Gosta de Gary Moore?
- É um prazer para meus ouvidos. Dizem que a música dele é um bom afrodisíaco... O que você acha disso?
- Eu acho que você não deveria dizer coisas desse tipo, moça. Soa como um desafio.
- Achei que você já tinha percebido que é exatamente isso o que estou tentando aparentar.
- Pois sim? Eu aceito.
Foi uma noite daquelas... Quem poderia imaginar que uma ruivinha com cara de anjo daquelas seria uma ninfomaníaca qualificada? A bendita mulher era fantástica, fazia maravilhas, e apesar de não entrar em detalhes aqui, devo dizer que poucas pessoas na história sentiram tanto prazer quanto eu senti naquele dia. Devo dizer também que creio não ter deixado a desejar, e que Gary Moore realmente é um afrodisíaco maravilhoso.
Pela manhã, acordei e olhei de lado. Ela ainda estava lá. Fiquei algum tempo, talvez minutos, quem sabe horas, admirando toda a bleza, todas as nuanças e mistérios daquele corpo nu. À fraca luz do sol que entrava pela janela, a pele dela parecia brilhar, de tão branca. Depois de perceber que se não levantasse dali agora, acabaria acordando-a como um louco para mais e mais e mais horas de diversão, balancei a cabeça com força e comecei a me aprontar para o trabalho. Já esstava quase atrasado, e o turno do sábado me esperava ansiosamente para uma sessão de 12 horas de tédio entediante. Suspirei, dei uma última olhada para a cama e saí. Outro dia, quem sabe, eu voltaria para terminar a conversa.
Já no hall de entrada, olhei de relance para o sofá e lá vi jogada a garrafa de vodka russa. Sorrindo, peguei-a. Eu descobriria se era realmente tão boa assim mais tarde.