Minha Overdose
Digitei algumas palavras secas no papel ranhoso. Uma espécie de "carta-explicação".
Dobrei o papel, coloquei dentro de um envelope e escrevi: "À família". Fui até o som, liguei-o e pus o CD de Pink Floyd. "Comfortably Numb" começa a dar seus acordes hilariantes e transcendentais. Coloquei no último volume.
Andei pelo quarto, dei uma olhada em volta. Mas, nada me chama a atenção. Vivi trancafiado nele, conhecia todos os seus detalhes. O movimento dos ponteiros do relógio de parede chamou minha atenção. Está na hora.
Peguei meus ansiolíticos e antidepressivos. Espalhei-os pelo balcão de roupas e soquei-os até virarem um fino e níveo pó. Coloquei-o dentro de um copo com água. Vi-o desmanchar-se na água e outra parte virando corpo de fundo. Virei o copo pela minha boca. O gosto amargo invadiu-me e, inevitavelmente, fiz uma careta.
Enquanto a banda ainda dava seus arquejos, eu preparava uma seringa de anfetamina. Pousei a seringa sobre a cômoda e fui até o banheiro. Abri a torneira "hot" e deixei a água, com força, sair por ela e espalhar-se pela banheira.
Tirei a roupa. Nu, fui buscar a seringa. Apertei o botão "replay" do som e a música nostálgica recomeça. Voltei ao banheiro e entrei na banheira que exalava vapor de água. Fecho a torneira.
"Hello, is there anybody in there?", pergunta a música. E eu respondi mentalmente que não. "Não mais". Bato na dobra do braço e aplico a droga em minha veia. Imediatamente sinto o calor do veneno infernal invadindo as células de meu corpo. Um suor frio e palpitações já começam a dar sinal de relevância. Os comprimidos começam a fazer efeito. Uma pesada sonolência cai sobre meus olhos, mas resisto.
"Come on, now. I hear you're feeling down". Começo a ver um mundo paralelo. Um mundo diferente. Mas, por que tirei a minha vida? Pois o mundo não é para os sofredores. Os depressivos. Ah, é uma resposta boba. Mas, faz sentido para mim.
Aos poucos, a sudorese começa a se intensificar, meus olhos ardem, sinto febre, as palpitações aumentam, meus batimentos estão acelerados.
É a hora.
Meus olhos nada veem. Mas, minha mente compensa. Comecei a soltar espasmos pela boca, produzindo sons assombrosos. Meu coração, revolto, dá um último batimento e uma dor trucidante rompe meu miocárdio. Tive uma parada cardíaca.
Vagarosamente, meu corpo escorrega para o fundo da banheira. Ainda podia enxergar. Vi minha boca encher-se de água e entrar para meus pulmões. Bato a cabeça, levemente, no fundo dela. E lá vi o movimento da água multicolorida.
Não vi minha vida como um filme, isso é para os apaixonados e arrependidos. Portanto, fiquei a esperar a Escuridão me cobrir com seu manto frio. E finalmente chegou: nada mais vi.
Mas, como escrevi esta estória? Estava eu realmente morto? Ou só sonhei? O que vivi era sonho? Ou sou o fruto da imaginação de um lúdico lunático?
Você que leu essa estória, sente-se real? Você não acha que tudo é um sonho e que iremos acordar?
Busquei a overdose para ir ao mundo paralelo. O mundo real. Sendo o Inferno ou Céu. Não sei. Eu agora só penso. Talvez seja só fruto da minha imaginação. Mas, eu estou morto; então não pode ser minha imaginação.
De quem é? É a sua Deo? É a sua Deus?
Ou é a sua leitor?
Você é o seu próprio personagem. E ao mesmo tempo, personagem de Deus. Um mundo paralelo. Um mundo dentro do outro. Interligado. Basta você imaginar...
Mas, cometi a minha overdose de fuga para descobrir o verdadeiro criador de mim.
Mandarei notícias.
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Agradeço pela disponibilidade, ajuda, comentários e correções do Professor de Língua Portuguesa e Literaturas do IFRN/SC, Dayvyd Lavaniery Marques de Medeiros.
Serei futuro colega de trabalho desse incrível e amabilíssimo homem.
Muito grato, Professor Dayvyd.