Doença Rara

Quando me disseram que eu estava doente mamãe tratou logo de me internar. Era real que ela não me queria por perto para poder trepar com o mecânico da esquina, o Alceu. Uniu então o útil ao agradável e internou-me num lugar que nem me lembro o nome. Só sei que fiquei nesse lugar durante um longo tempo. Oito anos. Oito duros anos, sofrendo com remédios, injeções e acompanhamento psiquiátrico. Minha doença, segundo o médico que tratava de mim, era algo raro, semelhante à Aids ao Câncer ao Lúpus à Meningite, mas que no fundo eu não corria risco de vida. Claro, concordo, eu disse certa vez, dentro do consultório. Não corro risco de vida, mas sim de morte. Quanto tempo eu ainda tenho de vida? Perguntava, mas nunca me respondiam. Resumindo: Minha mãe me mandara para uma clínica especializada em não curar nada. Os tratamentos eram estranhos. Não surtiam efeito algum e eu me sentia sempre melhor. Quanto mais os médicos me examinavam, mais eu descobria que não tinha nada. Essa conclusão foi certa, pois oito anos mais tarde eu saí da clínica vivo e completamente curado de algo que nunca tivera.

O primeiro lugar que procurei fora da clínica foi o banco onde minha mãe trabalhava como atendente. Entrei na agência e não a vi nos caixas. Perguntei ao gerente sobre Maria das Dores, ele me respondeu grosseiramente que não tinha nenhuma Maria das Dores naquela agência, mas que eu poderia verificar nas outras quarenta e sete espalhadas pela cidade. Fui então para casa, onde minha mãe devia estar.

Chegando em casa, deparei-me com uma enorme placa de VENDE-SE. Estranhei e senti raiva. Onde estaria minha mãe? A rua inteira parecia ser outra. Os comércios que agora ali existiam eu não tivera tempo de conhecê-los. Oito anos trancado. Raiva. Mamãe desaparecida. O mecânico Alceu, maldito! A oficina dele tinha se transformado num mercadinho com um nome ridículo. Olhando para os lados, vi o que parecia ser o único vestígio de minha época. A banca de jornal do velho Durval.

Ele continuava do mesmo jeito; olhos azuis, careca, rosto enrugado e nariz de rato. Sua mãe faleceu. Faleceu? Como assim? Não me avisaram nada na clínica. Sua expressão era triste. Expliquei a ele tudo o que havia acontecido comigo dentro da clínica durante aqueles oito anos. Ele me ouvia e lágrimas brotavam de seus olhos cansadamente azuis. Suas mãos tiraram de uma gaveta um jornal com folhas amareladas. Uma foto de mamãe estava estampada na folha de rosto do jornal. Embaixo da foto, letras grandes dizendo: MULHER DA ZONA SUL POSSUI DOENÇA RARA. Ela na verdade possuía tudo aquilo que eu pensava ter.

O médico da clínica era o causador da farsa. Seu Durval contou-me que logo que mamãe descobriu que estava doente, tratou de me mandar para uma clínica de um amigo dela. Lá dentro eu ficaria, como de fato ficara, protegido de vê-la se desfazendo por causa de sua doença. Assim fiquei preso num lugar para não ver a morte dela. E eu pensava que mamãe me mandara pra lá para trepar com o mecânico Alceu, disse para Durval (que era amigo de mamãe) Ele riu. Seu tolo, ele disse. Mamãe foi uma heroína, poupou-me de ver sua morte. Gostaria que ela estivesse aqui agora. Durval ainda ria. Seu tolo, ele repetiu como uma vitrola quebrada. Do que está rindo? Minha mãe morreu! Isso não tem graça, seu velho! Irritei-me. Sentia falta de mamãe. Ela estava morta. Droga de vida! Durval parou de rir e falou sério. É claro que sua mãe não trepava com o Alceu.

Fiz cara de espanto e ele continuou.

Ela trepava era comigo.

Felipe Terra
Enviado por Felipe Terra em 23/08/2011
Código do texto: T3177440
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.