CONTO: DIA DOS PAIS
José Neres
A notícia de que era pai veio com a mesma intensidade de um chute nos testículos. Ele jamais havia imaginado que aquela transa meio torta no muro do cemitério teria consequências tão drásticas. E ela nem era tão gostosa assim!
A criança agora estava com sete anos. O exame de DNA era totalmente dispensável. Bastava olhar o garoto e ver as inúmeras semelhanças. Qualquer foto do pai com a mesma idade poderia ser confundida com a do filho que agora lhe era apresentado. Não tinha como não assumir a paternidade. A mãe da criança não pedia dinheiro, nem casa, nem nada. Apenas o nome dele no registro de nascimento. E uma visita vez ou outra. Era uma espécie de presente dado ao menino que sempre pedia para conhecer o pai.
O encontro entre os três se deu em um shopping movimentado. Um pai, uma mãe, um filho... nenhuma família. Cumprimentou o garoto com um sorriso amável. O mesmo que ele oferecia a seus clientes na hora de fechar um negócio. Nada mais... Para a mãe, o olhar foi um pouco mais demorado. Ele estava bonita. Ganhou corpo e agora despertava um desejo carnal do qual não se lembrava e ter tido naquela fatídica noite. Aquele decote generoso e as pernas torneadas em nada lembravam aquela criatura esmilinguida que trincava os dentes para não gritar durante o prazer compartilhado naquela noite de São João.
As diversas redes sociais de que ele participava foram decisivas no acompanhamento da vida do pai da criança. Ela sabia que ele estava noivo. Que o casamento seria dentro de alguns meses. Que a noiva era bonitona, rica e metida a modelo fotográfico... Tudo o que um perfil falso inserido na lista de amizades virtuais poderia mostrar. Ela estava bem informada. Ele ignorava até mesmo o nome dela. O menino levava o primeiro nome dele.
Uma solução era reconhecer a criança. A noiva deveria entender tudo. Ela sabia que ele nunca fora santo. A outra solução era arrumar um jeito de limpar o próprio passado. Na semana seguinte seria o dia dos pais. Uma excelente oportunidade de pôr seus planos em prática. Tudo limpo. Tudo feito de modo rápido. A criança não tinha culpa do descuido dos dois.
Uma desculpa qualquer e estava livre para passar parte do domingo dos pais com o filho. Na cabeça, o plano engrenava com maior convicção, não deixando que o pai aproveitasse o lanche, o sorvete, o parquinho. Olhava o menino e via os problemas do futuro. Via os recibos, as notas fiscais, as listas de livros... Não via felicidade. Só problemas.
Mas o garoto era esperto, conversador, cheio de histórias para contar. Não parava de falar. O pai a nada ouvia, mas o menino se entusiasmava com a inédita figura paterna a seu lado. A felicidade inundava seus olhos. Era hora de voltar. O plano já tomava ares de solução imediata para todos os problemas. Hora e voltar. No carro, o menino insistia em ir no banco de trás. Argumentava com o pai usando os argumentos aprendidos na escola sobre regras de trânsito. Mas a vontade de ver o mundo pelo para-brisa foi mais forte. Para que cinto? Homem que é homem tem que andar livre... O menino sorriu. O pai era um herói que de nada tinha medo.
Beijou a testa do filho. Duas lágrimas rolaram pela face. Colocou o cinto e segurança em si mesmo. Deu partida no carro e viu a sua frente a reta estrada que lhe traria algumas complicações, mas que o conduziria à liberdade. Um homem tinha que andar sempre livre. Acelerou o carro. Tinha um compromisso inadiável com algum dos postes que beiravam a estrada da vida.