Minha História/Depoimento de uma morta V
Nem ouvia mamãe me chamar, as vezes, de" tão longe" que eu estava. Comecei a estar ausente, cada vez mais. E neste estado em que me encontrava; não percebia a hora de voltar. Esquecia de comer, de fazer os deveres de casa e até do caminho de de volta para casa, quando tinha que sair, para fazer algum mandado para mamãe.
Eu já estava mocinha e morria de vergonha, quando algum moço me olhava "daquele jeito". Parecia que eu estava suja, e ficava me examinando, para ver se eu tinha me encostado em alguma coisa, ou algum lugar que me sujasse. Mas outras vezes, eu até gostava, se ele se parecesse com o meu príncipe.
O tempo foi passando e houve uma crise no café. Os preços, caíram tanto, tanto; que ninguém conseguia vender e , quando vendia, o preço era tão baixo, que não dava para pagar as despesas. As dívidas foram se acumulando cada vez mais. Nós já não tínhamos, quase o que comer.
Felizmente cultivamos, milho e feijão entre as leiras onde o cafezal estava...
...mais velho. Foi o que nos sustentou durante os meses que se seguiram. E ainda havia um leitão no chiqueiro perto de casa, que nos forneceu a gordura e sua carne para nosso sustento.
Como ninguém estava vendendo, a tulha estava cheia de sacas até o telhado, e já começava a carunchar.
Um dia, eu estava na casa dos vinte anos, surgiu do nada, o meu príncipe!
Que lindo! Parecia um São Jorge em carne e osso.
Mamãe começou a ficar preocupada comigo, pois eu só falava nele, no seu jeito, no seu jeito de falar etc.Ele veio sem cavalo, e eu não tinha ideia onde o deixou para vir falar comigo. Mas ele sumiu, não sei o que aconteceu com ele...
Naquele tempo, não era como hoje. Era muito diferente. Como era difícil, um moço gostar de uma moça e conseguir falar com ela... Nem se olhavam diretamente, era tudo muito discreto. Nem uma moça que se prezasse, olhava um moço nos olhos,na primeira vez que se vissem, seria falta de pudor." Falta de vergonha", como diziam as pessoas rudes.
Nessa ocasião, chegou um tio, irmão de mamãe que eu não conhecia.
Ele era tão bonito que fiquei apaixonada por ele.
Quando fui dormir,não conseguia pegar no sono,ele pegou a bacia para tomar banho, e mamãe pôs a chaleira com água para ferver.Então tive a ideia de ficar escondida, encostada no batente,do lado de fora olhando...Fiquei escondida atrás do lençol que servia de porta e lhes observando pela fresta. Dava para ver o que aconteceria no interior do quarto. Ele se desnudou calmamente e entrou na bacia e sentou-se no fundo, sem se importar de ficar nú na frente de mamãe, que era era como se fosse uma segunda mãe para ele. Então ela começou a esfregar-lhe as costas com uma bucha.
Tomávamos banho de caneca, dentro de uma bacia grande de zinco. Esquentávamos uma chaleira com água e misturava com a água fria.Eu estava observando inocentemente, pois
apesar de já ser uma moça com mais de vinte anos, nunca tive um namorado e não sabia nada sobre moços, muito menos, sobre homens. Só tinha visto meu irmãozinho pelado antes do banho...
Nem sequer havia pego na mão de nenhum moço antes.
Estava curiosa, e continuei a espiar pela fresta do lençol e ví mamãe esfregando meu tio. Fiquei ali como uma estaca de cerca, fincada na chão perto da porta, olhando e pensando no meu príncipe. Imaginando nós dois, em nossa casa, já casados,eu esfregando as costas dele...Aí mamãe virou-se e me viu. Ela parou de esfregar as costas do meu tio, e veio até aporta. Olhou bem nos meus olhos, e disse: Você não tem vergonha de ficar olhando seu tio , a tomar
banho? Onde já se viu! Tamanha senvergonhice, minha filha?
Fiquei morta de vergonha e tristeza, por minha mãezinha ter brigado comigo na frente de meu tio.
Fechei-me no quarto, e comecei a chorar e soluçar. Não quis merendar, quando mamãe chamou. Eu estava mesmo magoada desta vez.
Nunca antes tínhamos brigado ou dicutido.