Minha História/Depoimento de uma morta II

Passaram-se três anos.

Gentilde agora já corria atrás das borboletas e ficava observando-as quado pousavam nas flores, frequentes nas ruas entre as leiras de pés de café.Nomeava cada um deles como se fossem gente, como só as crianças sabem fazê-lo.

Sabem porquê estava me referindo a mim mesma na terceira pessoa? Eu explico: É que eu era muito pequenininha e, nem sabia falar, então meu amigo é que estava contando minha história. Agora, estou bem grandinha, e já sei falar como gente grande, vocês vão ver...

... E também porquê, eu fico bem tristinha com o que vou contar mais lá na frente.

Naqueles tempos, era muito difícil encontrar um médico nas zonas rurais. E nesse dia ele foi muito esperado. Mas por infelicidade,

não foi encontrado; Meu paizinho foi picado por uma cascavel, e eu

estava lá em baixo, perto do córrego que dava água para todas as

casas da colonia da fazenda; onde ficavam as terras que papai tinha arrendado e depois comprado, bem perto da estradinha que ia para o estradão onde passavam os carros e caminhões que iam para a capital,e para o resto do pais.

Até me perdi agora. Estava dizendo que estava longe de papai,

quando aconteceu essa tragédia, com ele. Mamãe tinha ido mais cedo para casa com meu irmão Marcelo, para que ele a ajudasse a levar um feixe de lenha, mais uma meia saca de café.

Ela levaria os trens de cozinha para preparar a janta." Ele tinha ido morar com titia, irmã de papai, quando nasci. E só voltou para casa, quando eu já estava com três anos.'' Estou muito triste contando essas coisas,por isso fico evitando falar sobre isso e tentando conter as lágrimas mas preciso encontrar coragem, e contar tudo, e conseguir tirar a culpa que sinto,no meu coraçãozinho de menina triste.

Enquanto papai lutava para conter o avanço do veneno com um pedaço de cipó, eu ainda não tinha voltado. quando cheguei e encontrei

papai com uma mancha escura no braço esquerdo logo acima do cotovelo, e um pedaço de cipó amarrado logo acima da mordida. Não adiantou muito, ele estava ficando roxo e duro,tendo convulsões e suando.

Tomei-lhe a cabeça nos braços e a pousei sobre meu colo. Dos meu olhos,escorriam lágrimas como uma cascata, molhando minha blusinha e os cabelos de papai. Ele aos poucos

foi se aquietando. Aí de sobressalto me dei conta de que ele estava nos

últimos momentos de vida.Pousei sua cabeça no chão e saí aos gritos

correndo para todos os lados, esperando que alguém ou um milagre que o salvasse.

Nesse momento apareceram dois homens. Tinham acabado de chegar, vieram trabalhar no conserto da cerca logo ali perto da estradinha e ouviram meus gritos desesperados.

Foi Deus, que enviou os senhores! Exclamei.

Eles já foram tratando de fazer um socorro de emergência, e improvisaram uma maca, com duas varas de guatambú e sacos de café vazios. Depois pegaram os cavalos e amarraram a ponta das varas, uma de cada lado da sela de um deles e foram arrastando eté nossa casa, enquanto eu ia em silêncio na garupa do outro homem.

Ia pensando no caminho, que papai foi picado quando colocou

o braço debaixo do pé de café para puxar os grãos que ficavam em algum buraco de tatú. Mamãe já tinha falado para ele não fazer desse jeito que era perigoso. Pobrezinha de mamãe... Comecei a chorar outra vez, e o homem queria parar, para ver se eu tinha me machucado.

Quando chegamos em casa, minha mãezinha ouviu o tropel dos cavalos

e saiu para fora com a mão no peito. Pobrezinha! Começou a gritar com

uma voz rouca e tão doída, que voltei a chorar ainda mais forte me engasgando sufocada, que o meu irmão também chorando, tentava consolar minha mãezinha e eu, sem muito resultado.

Os homens que nos ajudaram,ficaram com os olhos rasos dágua e disfarçavam para que a gente não visse que eles também estavam chorando. O cavaleiro que tinha me trazido na garupa, saiu a galope para tentar trazer o médico. Procurou onde ele era costume estar, mas a vizinha disse que ele tinha ido atender uma mulher que estava com dificuldades para ter uma criança com a parteira.

Mamãe agradeceu entre soluços e ainda teve forças para oferecer um café, que eles recusaram ,disseram; meus sentimentos, tiraram o chapel e recolocaram e depois partiram em silêncio.

Meu irmão teve que se tornar, aos quinze anos, o homem da casa e sair para providenciar o enterro de papai.

maggí
Enviado por maggí em 12/08/2011
Reeditado em 12/08/2011
Código do texto: T3154929