MINHA DESEMBALADA DESPEDIDA





A cidade foi Avaré, a data não importa, porque tudo aconteceu naquele dia cinzento. Alguma coisa apertava meu coração, predizendo que algo ia acontecer.
E aconteceu mesmo, era pra valer. O telefone havia tocado, era o aviso de que Léo havia morrido.
Vinha com os pensamentos nas nuvens, meio que anestesiado com a notícia. Foi enfarto fulminante, não deu tempo pra nada.
“ – Enfim, cheguei!” – pensei por um momento. Vou procurar uma vaga pra parar o carro. Logo apareceu uma, bem fácil de estacionar.
Nunca tinha passado pela minha cabeça, em momento algum, que eu estaria vindo no velório do meu melhor amigo.
Éramos amigos desde infância, ele morava na rua de cima da minha. Estudávamos juntos, no mesmo colégio, na mesma sala, com os mesmos professores. E vínhamos juntos pra casa.
De manhã, já era de praxe. Nos encontrávamos na esquina no horário certo pra chegar antes do sinal de entrada da escola tocar. Saiamos numa carreira só, rua abaixo.
Tranquei o carro, e apertei o alarme.
Queria ir até aquela sala onde estava meu amigo Léo, mas ao mesmo tempo me sentia paralisado com medo de que fosse realmente verdade.
“ -Léo, meu amigo, morreu!” . Era como, se somente naquele momento, quando eu o visse deitado, dentro daquele caixão,.... somente naquele momento, iria encontrar a verdade.
Léo morreu! E foi fulminante!
Por enquanto não. Ficava ainda a incerteza de que não fosse verdadeira a notícia que havia recebido. Era trote, era um engano. Só iria mesmo acreditar a hora que eu visse.
“ - Visse com esses olhos que a terra há de comer! Continuava eu pensando. “ Não é assim que se fala?”. É sim!
Olhei calmante para a paisagem. O cemitério ficava numa colina. No alto, grandes salas em estilo colonial, para os velórios. Os túmulos todos bem rentes ao chão, somente uma plaquinha identificando os nomes dos entes queridos de algumas pessoas.
- “ Verdade!. Entes queridos! Cada um tem os seus!” – ai briguei comigo mesmo, grande pensamento, grande dedução, grande teoria.
Mas meus pensamentos vinham, era um, depois outro, tudo misturado, sem muita lógia, uma bagunça dentro da minha cabeça. Mas era o medo de encarar a verdade.
Leo, meu melhor amigo de infância, de adolescência, de burro velho também,....morreu...... e foi fulminante!” Não deu tempo de nada!
Resolvi subir e encarar o que fosse..... encarar a vida.
“ – É! A vida é mesmo assim...... Uns nascem, outros morrem..... Belíssimo pensamento. Muito profundo!
Assim me encontrava, já no segundo passo, rumo ao que tinha quer ser. Ia, mas pensando na vida.
“ - Não adianta ficar brigando com o Chefe. ...! É Ele quem manda! ...O Léo se foi! ....
Lembrei de quando nós dois voltávamos da escola, apertando as campainhas das casas, e depois saiamos numa corrida só, para não sermos vistos. Era uma casa eu, e outra ele.
D. Celeste, aquela dona, da casa azul, da esquina, um dia nos viu apertando a campainha do seu vizinho, e sair correndo. Claro que a campainha seguinte era a dela.
Apertou ela a campainha da minha casa para reclamar com minha mãe. Cidade pequena é assim, todos se conhecem.
Levei uma baita bronca e prometi que não faria mais. Daquele dia em diante, pulávamos a casa de D. Celeste.
Hoje a gente não toca mais a campainha da casa de ninguém, mas nos falávamos diariamente, dividindo nossos problemas. Não ficava um dia sem que ele me ligasse, ou eu pra ele.

Assim, ia subindo a colina, com meus pensamentos embaralhados.
E nossas primeiras namoradas. Lá na praça, ficava, -“ vai você, fala com ela, depois eu chego na amiga dela.
Um empurrava para o outro, sem coragem de chegar e ser rejeitado. Faltava ainda a malícia dos tempos de mais velho.
Passo a passo, finalmente cheguei à sala, lotada de gente. Léo era muito querido na cidade.
Cheguei e combinei comigo mesmo. Não quero ver meu amigo camarada, deitado estirado, duro, num caixão. E morto. Quero guardar a imagem dele quando era vivinho da silva. Esse dentro do caixão não era mais o meu amigo.
Entrei sorrateiramente, e fui buscar uma cadeira estratégica para sentar, mas antes assinei o livro de presença, que confirmava, não sei pra quem, que eu estive lá.
Achei uma cadeira, que era a segunda antes de chegar no caixão do morto, meio pero, meio longe, das que estavam encostadas na parede. E fiquei lá bem quietinho, entre meus pensamentos. A saudade já estava começando apertar.
Pensamentos iam e vinham. Entre não ver mais meu amigo, lembrando do abraço forte que ele me dera um dia antes, como uma despedida.
Ele havia me abraçado bem forte ontem pela tarde me dizendo, nunca se esqueça que somos amigos.

“ É Léo! acabou minha companhia de noitadas”.
Bem pensei, já não íamos mesmo pras noitadas, desde que nos casamos. Ele com a Anita e eu com a Bia,- ..... eram duas amigas que conhecemos na praça, num dia de grande coragem conjunta.
Até das esposas nós tínhamos ciúmes, sentíamos que elas nos roubaram um do outro.
Não fique pensando você, que éramos gays! Sei que já pensou isso!
Então resolvemos jogar buraco nos sábados à noite, uma vez na minha casa e a outra na casa dele. E depois da primeira partida comíamos pizza.

E eu, de cabeça baixa, resolvi que não tinha que pensar - num momento daqueles a ordem é rezar, rezar pra que Deus receba bem meu amigo de hoje e sempre. Algumas lágrimas saíram de meus olhos. E permaneci ora rezando ... Pai nosso que estais nos céus....Santificado ... rezando, pensando, chorando.
-“Pai nosso, que estás no céus???????” - divagando mais uma vez, interrompi minha oração .

“ -Não, essa prece tá errada. Deus não está só no céu, tá em toda parte. Tá no ar, na natureza....” - levantei a cabeça, olhei pra fora e continuei... “tá naquela árvore.... tá ...., em cada um de nós ..... até no resto de Léo, deitado ai nesse caixão! Pensei, sem me atrever a olhar pros lados. Só pra frente.
E assim divagando comecei a perceber que não conhecia muita gente daquele lugar.
“- Esquisito né..... Tou aqui a um tempão, e não apareceu ninguém conhecido????????”
-“ Tem alguma coisa errada!”
Levantei, num esforço grande, fui até a beira do caixão, contrariando aquilo que havia combinado comigo mesmo, e outra vez sai em desembalada corrida.....
Aquele não era o Léo??????!!!!!!!
Tava no morto errado!!!!
Correndo entrei na sala ao lado. Haviam diversos velórios naquele dia. Chorei e rezei pra morto errado.
Enquanto muitos morrem, outros nascem .......são muitos velórios!
“- Ahhh! Meu nome? Flavio José!
Ilse Ellen
Enviado por Ilse Ellen em 08/08/2011
Código do texto: T3146609