Licitação

Barulho de botões e sons de tiros e de raios-laser disparados e risadas e conversa.

- Preciso dormir...

Silêncio efêmero, seguido de risadinhas abafadas, que, por sua vez, são seguidas de muxoxos.

Tem a documentação da licitação que é pra segunda; dois dias apenas para reunir uma infinidade de coisas; tem as planilhas do fluxo de caixa, os sessenta e-mails não lidos; tem a namorada querendo atenção.

- Preciso dormir.

Definitivamente ignorado.

Esses moleques; esses moleques que estão na sala.

Consulto o relógio. Uma da manhã.

Cinco e quarenta e cinco o relógio desperta e saio da cama.

Só posso depositar a carcaça nela novamente, então, depois de dezesseis horas de muita chateação, imprevistos, deselegâncias e pensamentos negros; tudo amalgamado nessas dezesseis horas - nesses três quartos que compõem um dia inteiro.

Portanto, levanto.

Coço o cu, recostado na porta.

- Você - Dirijo a palavra ao visitante - O que houve?

- Como assim?

- Por que você não está na sua casa, dormindo? Te expulsaram de lá, foi?

O outro - o metade-consangüineo - toma a vez de procurador.

- Eu chamei ele pra jogar e dormir aqui.

- Mas eu preciso acordar cedo...

- Tá.

- Tá o quê?

- Tá ué...

O cu coça, ainda.

- Rapaz - falo ao visitante - Nada contra a sua pessoa, que nem sei de quem se trata, inclusive, mas... - Pausa para o pigarro - Vá pra sua casa, sim? Amanhã você volta.

- Não - responde o procurador; o meio-consangüineo procurador.

- Sim - volvo.

- Não - em tom agressivo, ele responde.

Ninguém parece se mover; ninguém parece querer se mover ou se importar.

O primeiro soco - dedos envoltos num soco inglês - pegou na têmpora e tonteou; já o segundo, quebrou a cartilagem do nariz e causou desmaio.

- Preciso dormir...

O outro se levanta assustado: o pisão na barriga foi inevitável, bem como o clich e a joelhada na boca.

- Preciso dormir, rapazeada.

- Tenho que ler o edital da licitação.

- Por que videogame à essa hora?

Sempre batendo e perguntando. A tendinite queimando o antebraço esquerdo - e sendo peremptoriamente ignorada.

Já não sabia discernir o estado vital ou não-vital dos rapazes largados no chão da sala. Dei de ombros.

Voltei à cama.

Uma e vinte da manhã.

Conferi o despertador.

Por três vezes.

Paranóia, sabe?

29 ou 30 de Agosto - 00h00m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 30/07/2011
Reeditado em 30/07/2011
Código do texto: T3127629
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