TELETRANSPORTE.
Um conto surrealista.
Invariavelmente, eu vou para o meu quarto que fica no primeiro andar da torre dos meus sonhos, com a finalidade de me deitar, não para dormir, quase sempre por volta das 21,00 horas.
É um hábito que somei a tantos outros, simplesmente pela disciplina auto-imposta, não como uma virtude, mas sim, pelo simples fato de não ter o que fazer à noite neste ermo em vigília.
Em compensação cubro essas horas semi-ociosas com um pouco de leitura.
Hoje, já é um costume obstinado muito forte e até necessário.
Um verdadeiro sonífero de literatura brasileira, de escritores laureados, Imortais ou Nóbeis, pois a minha necessidade literária é exigente e nacionalista por excelência.
De certa forma, e além do prazer dessas leituras, sinto-me enobrecido em poder ler esses escritores.
Sempre homens de larga visão literária e de vida, que fizeram a sua época, vivendo imbuídos de um espírito nacionalista socializante na essência sem serem utópicos.
Dessa forma, espargindo blandiciosamente e inteligentemente, através da literatura nacional, um socialismo real verde-amarelo.
Inspirados sempre no dia-a-dia do nosso povo brasileiro, esses nossos irmãos tão sofridos e desumanamente explorados por uma classe dominante, abusivamente burguesa por origem e alienada pela maldade do poder, chegando essa classe dominante, inclusive, mais além.
Imiscuíndo-se nos costumes, na educação, na própria religião e na política de uma forma ultrajante para os nossos valores humanos.
São efeitos e resíduos existentes ainda de uma ditadura fascista militar e estúpida.
Bem! Leio avidamente por umas duas horas, é o suficiente para pôr em dia o meu exigente gosto pelo saber literário. Anteriormente a esse “modus vivendi”, essas mesmas horas eram preenchidas com músicas para o deleite do meu espírito.
Era uma forma inebriante que encontrava para esquecer as amarguras da vida e, dessa forma, livrar-me da solidão, essa inevitável companheira de todas as noites de um homem só, que já viveu o bastante na insuficiência do ser.
Após a leitura de alguns capítulos eu encerro a atividade de leitor noturno.
Faço sistematicamente uma análise da mensagem pretendida pelo autor, e delas retiro as minhas conclusões, às vezes, precipitada reconheço, mas geralmente muito acertadas.
Dou por encerrado o meu expediente literário, espreguiço-me à vontade, notadamente realizado e satisfeito fumo impensadamente um maldito cigarro.
Esse miserável companheiro que ofusca a solidão na baforada cinzenta da fumaça, fazendo-a correr para longe de mim, escapando pelo escuro vão da noite, além dos limites do meu quarto.
Ajeito-me instintivamente indefeso, normalmente na posição fetal, para finalmente deliciar-me com um sono repousante e bem merecido.
É hábito não dormir sobre o lado esquerdo do meu corpo, penso que assim sufocaria esse pobre músculo vital, o coração, fazendo-o pulsar sob pressão.
E assim, eu prefiro adormecer sobre o lado oposto, deixando o pobre mancebo coronário trabalhar pela minha vida, dependurado pelas artérias em ritmo oscilante, num pulsar tranqüilo e incessante como um relógio antigo de parede.
Nesse entremeio não rezo, ou melhor, não sei rezar como o humano comum.
No entanto, espero convicto que Deus venha falar comigo.
E aí, eu O escuto atentamente.
E nesse monólogo que é só Dele, Ele me diz que o ser humano não está preparado, pois ainda não evolui o suficiente para falar com Ele.
O diálogo geralmente é franco e fraterno, acima de tudo, é Divino.
O que eu tenho realmente entendido é que, é para somente apenas ESCUTÁ-LO.
Findo o monólogo místico quase sempre é Ele quem se despede, deixando-me sozinho introspectivo a pensar ensimesmado.
E quando percebo, Ele não está mais.
Não sinto a sua despedida, mas Ele permanece em mim. (imanente)
Então, faço uma retrospectiva de mim mesmo.
Uma verdadeira e íntima introspecção, num vídeo - tape obrigatório, que começa a correr na máquina de projeção da minha consciência.
Sobretudo na razão, esse centro de processamento cognitivo “um oito milímetros” à velocidade da luz.
Das cenas bonitas e agradáveis eu me orgulho, satisfaço-me e sinto uma saudade muito gostosa, obrigando-me a reprisar as cenas subjetivas para um êxtase todo especial.
Das cenas desagradáveis, eu tento esquecer aumentando a rotação do projetado, para não avivar em mim, aquelas lembranças que ainda machucam e me queimam em fogo nessas mesmas lembranças.
Caio vencido em profundo sono, apenas sinto o abraço fluídico de meu Deus ainda presente, levando-me para o mundo dos sonhos, o campo inescrutável das bem-aventuranças reconfortantes e do incompreensível inconsciente.
Outrora na fase obscura da minha vida, os pesadelos eram freqüentes e me atormentavam.
Eram horríveis sobressaltos, premidos por visões dantescas, em forma de abutres apocalípticos que rasgavam e se alimentavam da minha carne exposta, num banquete famélico quebrando o meu orgulho.
E para me atormentar mais ainda, havia um súcubu que me aterrorizava com as suas gargalhadas demoníacas, ecoando com uma ironia satânica, habitando os infernos inconscientes dos meus pesadelos miseráveis.
Com o tempo e com a freqüência dos monólogos místicos, os pesadelos foram me abandonando, dando lugar a sonhos fulgurantes, onde o meu mundo inconsciente nas asas invisíveis de potestades divinas, voava para mundos etéreos de uma magnitude imponderável.
Aonde acredito eu, poucos mortais tenham estado e sido levados pelas asas translúcidas de um anjo inesperado.
Nesse mundo inconsciente apenas meu, eu tenho encontrado diversas pessoas com as quais convivo momentos de segundos que se parecem eternos.
Nessa dimensão, são as pessoas amicíssimas e pela forma como nos tratamos e nos conhecemos, por certo, já fizeram parte da minha vida em uma outra freqüência vital.
Uma outra dimensão de existencialidade fora dos limites da percepção humana.
Essa existencialidade diferenciada, agora se obscurece no meu campo inteligível, inclusive as pessoas que lá a gente encontra, elas se conhecem além do casual e se relacionam em diálogos com os nomes próprios.
Eu é que não mudo de nome.
É estranho e espetacular esse encontro com eles, os meus amigos transcendentais, os quais não me chamam pelo nome, mas eu os entendo.
Comunicam-se através de uma forma telepática.
Tenho a certeza de que na minha vida consciente, jamais os conheci, e não tenho recordação na memória dos seus nomes.
Entretanto, tudo é muito familiar entre nós.
E o laço de amizade que nos une, é por demais abrangente e puro, de uma realidade visível sentida, envolta por um carisma duplamente afetivo, nunca experimentado e vivido no meu mundo consciente.
Parece uma segunda vida, um arrebatamento místico (merkabat ou ascensão) para um mundo aureolado de pura harmonia e compreensão.
Tenho anotado alguns nomes.
Sem sombra de dúvidas os mais íntimos e de um modo todo especial os de: Milena, Josafá e Hellius, velhos amigos.
Quando volto à vida consciente, eu acordo com os nomes ainda vivos na minha memória.
Aos mais simpáticos, eu tenho a impressão que numa tentativa de voltar àquelas manifestações de vida inconsciente, iria procurá-los como alguém que procura amigos a muito que não vê.
Durante o tempo em que se processa essa forma de vida, se é que posso chamar assim, o ambiente, o clima que se é envolvido é simplesmente magnífico.
Causa um prazer imensurável, um êxtase profundo e incomum, levando-me a uma perfeita compreensão do que está ocorrendo, com uma sensação inteligente e intuitiva até do que está para acontecer no porvir.
É uma premonição total.
O colorido dessas ocasiões é algo extraordinário.
As cores variam dentro de uma policromia nunca vista, tudo se processa dentro de uma profusão de halos desconhecidos.
São de tonalidades mais vivas, mais emocionantes.
Cores em forma de energias vibrantes, fosforescentes, tudo muito além do magistral.
Nesta ocasião, eu sou possuído de uma concepção mais lógica de conjunto, um raciocínio ultra-razão, e de uma harmonia incrível estabelecida.
Inclusive, eu tenho observado que dificilmente essa nova dimensão de vida transcendente, vem acompanhada das cores preto e branco.
A natureza mística como conjunto é um paraíso digno de ser visto, as árvores são mais verdes, abundam num colorido movimentado vivo e alegre.
As pessoas ou entes são de um transfiguramento angelical.
A cor rósea das suas peles dá-me a impressão e a sensação de frescor e juventude.
A inocência é inerente a cada um.
O céu e o espaço se evolam a nossa vista, compostos de umas profundidades absolutas, infinitas e inefáveis.
Há um domínio instantâneo e completo sobre a matéria.
Basta um desejo qualquer e o desejado já está de pronto se realizando em nós, sem a concorrência dos corpos.
É um tipo de força que neutraliza e domina a matéria, tornando-a submissa e obediente numa sublimação completa.
O que mais tenho observado na experiência extasiante dessa vida inconsciente, é o fato de se voar, levita-se com uma perfeição incrível, como se fossemos de origem alada, pelo menos eu assim me sinto.
Tem-se a impressão de que o espaço é um meio de locomoção normal, e que é há muito tempo usado.
É um domínio perfeito de equilíbrio no Cosmo, e de uma visão celestial panorâmica espetacular, que se apresenta aos nossos olhos de onde estamos.
É um nado verdadeiramente livre no éter, causando-nos uma satisfação indizível, como se estivéssemos fazendo algo tradicional, familiar e muito habitual.
Enquanto se passa esse passeio no inescrutável, alguém superior a minha cognoscibilidade, muda bruscamente a minha freqüência etérea.
E assim, me transporta milagrosamente para um mundo mais próximo da minha matéria, mais real, mais objetiva, porém, ainda revestida com as características de um sonho.
A matéria já passa a dominar mesmo nessa nova dimensão de sonho, um sonho em baixa freqüência, mas inferior ao primeiro sonho.
Contudo, há um novo componente que se apresenta com vestígios aterrorizantes, mesmo assim, ainda é fenomenal, a não ser pelo medo e a insegurança que me assalta.
São esses pequenos infernos dos seres humanos, verdadeiros monstros da inconsciência acorrentando-me na ilusão e no orgulho de uma matéria primitiva.
Matéria essa por si só frágil, semi-inteligente, de constituição pobre, egoísta e desprezível, como toda a matéria no seu lento processo de evolução.
Subitamente sou transformado num personagem solitário e incomunicável, dentro de uns cenários macabros.
Acompanhados de horríveis visões e sobressaltos medonhos que, me fazem sentir como a última criatura sobre aquele planeta onírico.
Tolhido pelo medo e numa condição material subumana, humilhante e flébil, prostro-me a minha singularidade.
Sou jogado num deserto.
A aridez própria das dunas milenares ali depositadas, numa magia fantasmagórica, transforma-se em monstros, serpentes, montanhas e planícies vazias.
Ora, num oceano escuro vizonho e encapelado pelos ventos vindos de todas as direções; horríveis e assustadores vômitos sibilantes dos personagens da mitologia grega.
Uivando como cão danado, ora como lobo etéreo, o vento se contorce entre os montes de areia, ululando por entre os desfiladeiros velhos e arenosos.
Tudo num bufido macabro espectral e choroso, sem direção definida, na escuridão do nada do deserto, até então onírico.
Causa-me um estado de pavor e fico estarrecido diante desse cenário.
Sinto-me impotente diante do espectral cenário, as areias me cortam as carnes, e uma dormência geral toma conto do meu humano corpo exausto, já quase nu.
Pois vejo essa condição de nudez, apesar da escuridão compacta que se faz ao meu redor, em função de uma luz difusa, muito amarelada que parece fluir de mim mesmo, me resplandecendo.
Essa emissão inexplicável de luz brota do meu corpo, e as minhas artérias já não são mais de sangue.
Mas de uns líquidos viscosos e luminescentes, parecidos com um tubo de néon, me envolvendo e me iluminando dos cabelos às ultimas falanges.
Sou propriamente o dito homem fóton ou lucigênito.
O céu é de um negro muito próximo e, ao mesmo tempo, muito profundo.
E essa proximidade me pressiona com um sufocante infinito, confundindo-me entre a imensidão do noturno e a infinitude do poço negro desse vácuo.
As estrelas eram de uma profusão incontável, milhares de milhões, se postavam cintilando como lantejoulas de prata, dependuradas num forro invisível, por um fio mais invisível ainda.
Eram mais robustas do que a própria lua cheia que eu conheço.
As cadentes se multiplicavam pela abóbada negra, num vai-e-vem chispando caudas em fogo.
Um trânsito de faíscas fosforescentes e ardentes, um verdadeiro derramamento de lágrimas siderais, prateadas e enlouquecidas.
De tonalidades fugidias que o vento as apagava num combate interminável de rajadas.
Entre o etéreo ululante e o humano expectante, contudo venciam as estrelas.
Eram elas mais próximas e móveis do que o próprio céu.
De vez em quando, uma luz trânsfuga passava por mim.
Era um incomum banho estelar, num vôo rasante de sideral luminescência.
Tive a impressão de que se eu estivesse de pé, essa estrela se chocaria comigo, tal era a sua proximidade.
Estupefato e coagido pelo medo ao mesmo tempo, eu não havia percebido que uma serpente se enroscava em minhas pernas.
Pasmei!
Pois a minha imobilidade era mortal, nem o próprio esforço para respirar fazia.
Assim dava instintivamente à serpente, a impressão de que jazia ali há séculos, petrificado muito antes dela.
O medo total é anestesiante.
Sentia, apesar do apavoramento nos olhos e no ser, a frieza mortal de sua escama seca, áspera e velha, escorregando mansamente pelas minhas pernas inertes e mumificadas.
Era o rito da morte.
A satisfação da víbora ante o gozo em volúpia mortífera, assim antevia em suas presas de estilete peçonhento o esguicho mortal de seu veneno vítreo.
Para o meu alívio e o meu conseqüente desmaio, a peçonhenta me ignorou.
Afastando-se cautelosamente rebolando num contorce de bailarina noturna.
Para, ali mais à frente, entre o meu espanto e satisfação, transformar-se magicamente num cajado retorcido e velho, igual a esses que normalmente se encontram já calcinados em suas entranhas pela fossilização dos séculos.
Refeito do pasmo e ainda em sonho e semi-acordado, toco inadvertidamente numa estrela ninfeta que se postara bem sobre a minha cabeça.
Subitamente me acordo meio zonzo, e num safanão, fico sentado na cama ainda trêmulo e sonâmbulo.
Semi-acordado e já familiarizado com o meu quarto e a torre dos meus sonhos, defronto-me com um medo ainda maior.
Agora é um medo real, humano, um treme-treme descontrolado, uma convulsão abismal me enche de um pavor desconhecido.
Tento raciocinar num relâmpago de idéias e concluo apavorado que, fora arrebatado por um pesadelo incomum, num sonho real e mais incomum ainda.
Resolvo continuar o meu sono.
Ainda boquiaberto pelos acontecimentos inconscientes, recosto-me ajeitando o travesseiro ao gosto desejado e, num assombro, descubro que o lençol está cheio de areia, dessa mesma areia cristalina amarelada, quase ocre, das que se encontram nos desertos.
Não consigo mais conciliar o sono, permaneço absorto e ensimesmado, pensando no acontecido.
Busco mais evidências para entender a quantidade de areia ali jazida sobre a minha cama, como também as coladas ao meu corpo, em pastas supostamente aderidas pelo suor do medo.
Já acordado e conscientemente vivo, admito a possibilidade muito possível, mas não provável, embora muito evidente, de ter-se processado em mim, um assombroso teletransporte real e físico.
Foi um domínio do inconsciente sobre o meu consciente, inclusive do corpo, em estado de repouso profundo.
Em que, o primeiro arrebata o segundo, assim transportando o meu próprio corpo, o seu invólucro indefeso e escravo, à mercê do submundo do meu profundo inconsciente.
Assim, levando-me para além das fronteiras dos sonhos, esses inexplicáveis mistérios de todos os mortais.
Talvez, seja uma antevisão apocalíptica do homem do futuro em perfeita harmonia com o Cosmo, ou, eu tenha descoberto um portal através do sonho, que me arrebatou para além do sonho.
Em outras palavras, a Mônada ou a energia quântica, uma forma de energia não localizada, tendendo para a sua origem metafísica.
Quero crer que a razão no seu questionamento suprametafísico liberado e, num processo indizível, procurava explicar-se.
Essa é a minha historia.
A de um sonho em forma de conto, mas também é a minha conclusão, sujeito é claro, a um melhor juízo.
Eráclito.