Ódio, amor e vingança bem urdidos – 4ª Parte

Prólogo:

"As mulheres se apaixonam e aprendem a amar e/ou odiar não quando encontram a pessoa perfeita, pois isso não existe, e sim quando crêem na perfeição de alguém extremamente imperfeito, quiçá, com acentuado desvio de conduta". - (Wilson Muniz Pereira).

OBSERVAÇÃO: Para melhor compreender o enredo da história, antes de dar continuidade à leitura, acesse os links abaixo para ler as três primeiras partes deste conto insólito:

1ª PARTE: http://www.recantodasletras.com.br/contosinsolitos/2085198

2ª PARTE: http://www.recantodasletras.com.br/contosinsolitos/2135113

3ª PARTE: http://www.recantodasletras.com.br/contosinsolitos/2805272

– Então? – Demonstrava impaciência a bela promotora Lindianne.

Henrique olhou para o teto. Não enxergava absolutamente nada. Seus pensamentos estavam vazios, suas mãos suavam, seu rosto estava febril, a carótida parecia estar entupida fazendo-o ficar meio tonto e ao mesmo tempo inebriado. Aos poucos seu rosto começou a voltar à normalidade. Seu pensamento fixou-se em palavras antigas de um velho texto:

”... A escolha amorosa adequada se faz quando o outro nos desperta o amor, a amizade e o interesse sexual. A essa condição tenho chamado de amor sublime, mais do que amor. Amigos são escolhidos de modo sofisticado e de acordo com afinidades de caráter, temperamento, interesses e projetos de vida (falo dos poucos amigos íntimos e não dos inúmeros conhecidos que temos).”

Cruzando as divinas pernas mais uma vez, aspergindo acentuado cheiro de feromônio, perguntou a promotora ao advogado que parecia retornar do torpor inicial:

– Henrique? Você está tão estranho... Quer adiar nossa conversa para outra ocasião? – O autodidata mais uma vez entrou em transe. Desta vez seu pensamento voou extraordinariamente rápido para outro parágrafo que há muito tempo escrevera:

”... O caráter é o verdadeiro eu. A Bíblia se refere a ele como "a essência secreta do coração". É o resultado do temperamento natural burilado pela disciplina e educação recebidas na infância, pelos comportamentos básicos, crenças, princípios e motivações. É, algumas vezes, denominada "a alma" do homem, que é composta de cérebro, emoções e vontade. Alguns adquirem mais vontades negativas do que positivas...”. – Henrique estava naquele instante agindo de forma negativa e ele reconhecia esse mal.

– Desculpe-me Lindianne é que ultimamente os prazeres mais excitantes que tenho obtido estão na leitura de bons livros, nos devaneios pensados e escritos, ouvindo músicas estilo "new age", jogando xadrez com meu amigo dicotômico Wilson. Hoje pude superá-los fazendo-lhe essa visita.

Estou eufórico! Sabe minha cara e educada promotora... Não estou conseguindo, diante de sua plácida beleza, permanecer sóbrio, falar livremente sobre meus recônditos mistérios.

– Nossa! Obrigada pelas gentis palavras, mas se não conseguir falar livremente sobre esses mistérios como poderei ajudar? – o ar estava impregnado de essência aromatizante. Sobre uma minúscula mesa, num canto mais afastado da sala, havia um fio azulado de fumaça expendida de um finíssimo palito.

Um som sutil podia ser ouvido ao fundo e a música era “Only Time” (Enya). Era como se todas as forças da natureza estivessem despertando para ouvirem com a promotora as palavras de Henrique.

– Como eu já mencionei em maio deste ano a Jussara entrou em gozo de férias e viajou à Recife. Eu não a pude acompanhar porque estava ministrando um ciclo de palestras sobre o tema: Jurisdição voluntária ao notariado.

Só continuarei a falar sobre minhas certezas se você me prometer sigilo absoluto do que ouvir e não comentar com o seu esposo Fernando ou quaisquer outras pessoas até puder aceitar essa verdade. Promete?

– Meu Deus! Quanto mistério... Você está me assustando. Prometo. Prometo. Prometo. Prossiga doutor! – Parecia uma ordem. E era uma ordem, pois o “Prossiga” no modo imperativo não deixava dúvida.

Henrique suspirou e de soslaio, como quem não quer e querendo, olhou para a fresta inconsútil entre os joelhos da promotora. Inquieto, vislumbrou o princípio de um vértice cujo triângulo oposto à base do ventre da mulher lhe despertou uma comichão crescente e impudente.

– Pois bem a doutora Jussara, minha amantíssima esposa, ficou três dias hospedada na Varanda das Bromélias. Conhece? Trata-se de um hotel de luxo que está situado na cidade de Gramado. Mais precisamente na Rua das Bromélias Azuis, 507 - Planalto – Gramado.

– Ora, Henrique esse Hotel pertence ao meu marido. Não estou conseguindo entender aonde você quer chegar. – Henrique sonhava com um lugar assim onde pudesse oferecer um jantar exótico à digníssima promotora Lindianne.

Naquele aprazível paraíso o jantar é servido sob uma tenda em véus vermelhos com almofadões metálicos e cores apimentadas onde a luz intimista, e, lá fora o jardim iluminado, criam aquela atmosfera de magia e mistério do oriente.

– Não lhe parece estranho que nesses três dias o doutor Fernando também estivesse na cidade de Gramado? Eles foram vistos juntos não apenas nas áreas comuns, mas, principalmente, nos passeios a dois.

– Você está insinuando que Fernando e Jussara estão tendo um caso? – A pergunta de chofre pegou desprevenido o poeta das ilusões. Erguendo uma das sobrancelhas num cacoete inusitado Henrique pestanejou soturno ante a intempestiva indagação daquela que lhe fazia sonhar os mais coloridos e excêntricos devaneios sexuais.

– Tenho provas! – Observou que desta vez foi a promotora que se empertigou a ponto de cruzar e descruzar as pernas, sem o devido cuidado, para deixar transparecer uma amostra de sua indumentária íntima pela nesga de suas coxas angelicais. – Levantando-se de onde se encontrava Lindianne sentou-se ao lado do ambidestro deixando mais forte o aroma do feromônio causando no advogado uma perturbação visível e um tanto quanto constrangedora para perguntar entredentes:

– Quais provas? – Sua voz estava rouca, meio anasalada. Os olhos emitiam um brilho sinistro, como a pressagiar uma desgraça iminente. Contrariando os sinais emitidos Henrique percebeu um leve tremor na voz quase sempre infantil de Lindianne. Sem pensar duas vezes o advogado se ergueu e foi até a porta principal do gabinete para verificar se estava trancada e não apenas fechada.

– Se não estiver trancada faça-o agora e volte aqui para me mostrar as provas. – Anuiu a bela promotora um pouco pálida.

– Lembra-se que um dia eu lhe disse, em um arroubo grosseiro, que você estava mais “Cheirosa do que mãos de barbeiro”? Essa minha incontida admiração pelo seu perfume fez você dar uma gostosa e cristalina risada. Lembra-se?

– Sim. Lembro-me que naquela ocasião eu usava um perfume francês de nome Angel.

– E você com muita propriedade disse que esse perfume tem uma fragrância composta por notas de frutal oriental com notas de mel, chocolate, baunilha, caramelo, patchouli e sândalo.

A Jussara ganhou um kit em forma de bolsa muito bem produzida com cremes hidratantes, desodorantes, produtos capilares e muito mais. Todos com a fragrância do perfume Angel. Esse presente foi dado pelo doutor Fernando em um dos três dias que eles ficaram juntos no mesmo hotel de propriedade de seu marido.

– Quais foram os três dias do mês de maio que eles ficaram na cidade de Gramado?

– Foram os dias 9, 10 e 11 do mês de maio de 2008. Isto é, sexta-feira, sábado e domingo.

– Preciso de mais evidências dessa suposta traição. Você as tem? – Henrique olhou nos olhos de sua amiga promotora e anteviu uma promessa velada de vingança onde ele seria copartícipe nos mais sórdidos detalhes. Segurou-lhe as mãos cálidas e macias e sentiu um leve tremor.

Os lábios de Lindianne emitiam silenciosos uma mensagem “sui-generis” de licenciosidade velada e só percebida por quem estivesse extremamente abstido ou louco de paixão. Nesse instante, fixando o olhar pontual na boca da promotora Henrique pensou no que um dia escreveu sobre a paixão:

“Quando esse bem ou mal se instala, a ideia fixa em torno do que se deseja transforma a vida material em um tormento que só se aplaca quando se consegue satisfazê-lo. Nesse caos, quase irracional, indaga-se como tem sido possível viver sem esse desejo, como foram infelizes e insatisfatórios os dias, noites e madrugadas antes desse encontro, como se apresentará o futuro, caso não seja possível tornar essa louca aspiração um fato consumado?”.

Outro pensamento, num lapso temporal curtíssimo, invadiu a mente inquieta do autodidata excitado:

“... A mesma pessoa pode nos provocar aconchego e desejo sexual mesmo sem nos encantar intelectualmente; nesse caso, falamos de amor e de sexo. Podemos estabelecer um elo de amizade e sexo sem o envolvimento maior do amor...” – Isso não acontecia entre Henrique e Lindianne.

A empatia entre os profissionais e operadores do direito era quase palpável. Ambos se queriam nas intimidades mais devassas possíveis entre seres apaixonados. Os sinais eram evidentes, mas os preceitos que se relacionam aos valores morais e à conduta humana obliteravam suas iniciativas.

Quem poderia dar o primeiro passo? Qual dos dois teria coragem de verbalizar os anseios? Isso estava para ser evidenciado naquela conversa insólita.

Atenção! Este texto, em breve, terá continuidade.