O Extermínio
O extermínio das maravilhas propagadas pelos versos, canções e mentiras de amor causou choque e inconformismo quando foi divulgado à sociedade. Já não era possível iludir os apaixonados, mentir para o coração, projetar momentos românticos para contornar justas desconfianças de traição; gritar aos quatro ventos seus sentimentos esperando que o desapego à vergonha invocasse a gratidão e a cama.
Não se podia mais negar as traições, nem florear o desejo sexual. Não seriam toleradas as lágrimas em busca de aceitação; nem as juras de amor eterno feitas antes e durante o coito. Que fossem todos apenas sentidos, sem mentiras!
Descobriu-se a verdade sobre os sentimentos: tudo artimanha do instinto, abusando da criatividade; brincadeira de mal gosto, fingimentos mascarando a mais pura prática da animalidade: o acasalamento. Percebeu-se que, naquele jogo, o olhar era um termômetro para o potencial de excitação. As palavras uma arma para a aplicação dos desejos; e os galanteios uma armadilha forjada pelas palavras. Os homens já não poderiam mascarar as necessidades sexuais com declarações de amor. As mulheres tampouco estavam permitidas a interpretar os elogios como sinal de encantamento, e o encantamento como garantia de fidelidade.
Sexo não é amor – determinou-se. Sexo é instinto – justificavam. Quem quisesse sexo deveria ser sincero e aberto à justa negação. Não, era não; sim era aproveite. E quem não estivesse de acordo com as novas regras, que desembolsassem suas espécies para comprar seu direito ao gozo.
A partir de então, o homossexualimso entre os homens explodiu em número de adeptos. E a prostituição virou febre, serviço de primeira necessidade. Seus profissionais, por mais que já não pudessem fingir o prazer, admitiam o coito sem prévios regalos. O que já era um diferencial.
As mulheres, orgulhosas, assumiram postura contrária às putas, negavam-se a servirem apenas como objeto; e só se permitiam quando a vontade era recíproca. Os homens também não conseguiam mascarar o óbvio: as queriam apenas para fêmea, e não como companheiras. O casamento seria a garantia de cama, e os filhos a conseqüência da satisfação.
Assim, matrimônios se desfizeram, as crias estranhamente passaram a vir aos cachos. Talvez porque o período fértil das fêmeas as tornava adeptas às mais absolutas verdades do instinto. Já não negavam quando precisavam de um homem na cama, enquanto eles comemoravam a raridade de conseguir uma mulher sem ter que pagar.
Desamparados, os românticos juraram suicídio; os canalhas, homicídio; e os tímidos, rebeldia. Os frígidos permaneceram frios – fizeram de tudo para conter a alegria. E como sempre, tiveram sucesso. Não riram nem choraram. Seguiram insossos em seus rumos inalterados. A juventude viu se dissolver a euforia de seus envolvimentos de vanguarda. Os pecadores desiludidos tornaram-se desbravadores da novidade que a crueza de tudo revelava. O combustível era o álcool, as drogas, as pílulas; o estágio de atuação, o embriagar de excitação. O paraíso era a satisfação dos sentidos em um inferno que era o romper das mentiras.
O carnaval veio e se foi sem máscaras ou fantasias. E não fez a menor diferença. As mulheres ouviam propostas ao invés de cantadas; e os homens ao invés de sedutores, viram-se negociantes. As relações de gêneros iguais ou opostos não sobreviveram, viraram cinzas. E a arte virou retrato da alma, imagens sem cor, versos sem rima, músicas com desarmônicas melodias.
Em pouco tempo percebeu-se que a mentira era, mais do que um mau hábito, um caso de saúde pública, mecanismo de sobrevivência, de preservação da espécie. E de suas mais sinceras alegrias.
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