NUM DIA QUALQUER
O alvo não fora ele. Menos ainda o outro ao lado. Algo estava errado. Tentando parecer natural naquela situação o outro esboçou um comentário. Ele não prestou nenhuma atenção, tentando estabelecer uma distância segura daquele outro, um estranho, um outro, uma ex-possível vítima, tanto quanto ele, daquela circunstância. Daquela inusitada circunstância. Ou de algo que o “destino” traçara para eles (o outro e ele, ambos, as duas figuras; ele, retesado; o outro, patético naquela naturalidade fingida). O objeto estava lá, atirado. Inerte. Como um barco desolado preso num banco de areia. Um objeto assustador que não deveria ser olhado por ele nem pelo outro. Em pensamento torceu para que o outro também não olhasse o objeto. Não por solidariedade. Não, longe disso, mas, achava ele, um simples olhar talvez avivasse aquela coisa. Aquele objeto, razão de seu medo não disfarçado, razão de uma naturalidade forçada do outro. Uma ventania repentina levou a folha seca da planta que havia próxima à calçada. Sentiu, ele, um leve arrepio. Isso talvez mudasse as coisas. Seria um “sinal”? O outro sentira? Se sim, disfarçou muito bem. Decidiu, ele, que a lufada fora um “sinal”. Algo ocorreria. Olhou para o outro que permanecia absorto na sua fingida naturalidade. Ele exasperou-se. Queria bradar contra a fingida naturalidade daquele, do outro, bem ali ao lado, o outro, o fingido. O “destino” dera o “sinal”. Por que aquele, o outro, não “entendera”, não “interpretara”, não lera o “sinal”? Ele sim. A folha passara voando (isso talvez mudasse as coisas). Moveu-se, ele, na direção do objeto. Muito lentamente avançou a mão direita para apanhá-lo; com cuidado... muito cuidado.
Ao lado, o outro apenas riu.