As Aparências Enganam.
Ela estava junto à janela do quarto. O rosto voltado para a paisagem de seu novo lar, de seu novo esconderijo.
“As aparências enganam
Aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio se irmanam
Na fogueira das paixões”
O sol se pondo. A luz do ocaso resplandecendo em sua pele eternamente alva. E ela tornou a entrar.
“Os corações pegam fogo e depois...
...não há nada que os apague...”
Recostando-se rapidamente no piano, seus dedos finos tocavam de leve o amrfim das teclas.
— Bia?... — chamou-a o rapaz. E ela sorriu ao som do diminutivo de seu nome.
— Ah... — e se levanta, andando até ele.
“Se a combustão nos persegue
As labaredas e as brasas são o alimento,
O veneno... a recordação dos tempos idos
Sonhos vividos de conviver”
Ele a abraça pelas costas. E ela baixa lentamente as pestanas quase translúcidas, sentindo em sua nuca a volúpia dos lábios dele.
“As aparências enganam
Aos que gelam e aos que inflamam
Porque o fogo e o gelo se irmanam
No outono das paixões”
— Suas mãos são divinas... divinas... — ela sibilou, o rosto junto ao dele.
— Que bom... que gosta...
E, muito rápido, ele a deixa para que lhes preparasse taças de champagne.
Assim eles andaram até a varanda. Os olhos dela recaídos sobre o nada; os dele, sobre ela.
— Bia... — ele recomeça, mas ela o interrompeu com um afago nos lábios de rubi.
— “Bia” não existe mais... não existe mais. — e um breve sorriso pousou no rosto dela trazendo uma inesperada suavidade aos seus traços amadurecidos e austeros.
— Certo. Não vou esquecer... — falou-lhe ele em resposta, o semblante risonho lhe sorrindo carregando-a com lembranças de sua outrora juventude.
— Isso mesmo. Não vai esquecer... tenho certeza que não. Sabe... há prazeres na vida que são indispensáveis... realmente.
“Os corações viram gelo e depois
Não há nada que os degele
Se a neve cobrindo a pele
Vai esfriando por dentro o ser...”
E eles se encararam durante um instante que pareceu durar a eternidade.
Ele via uma beleza madura infinita em meio ao olhar e às feições dela, mal acreditando que a tinha ali, em seus braços, aquela força da natureza que era ela.
— Ah... meu menino... — ela murmurou ao tocar os lábios dele com os seus, finos —... meu menino.
Assim, o beijo mais íntimo foi inevitável.
Ele envolveu o corpo dela com o seu, sentindo fortemente que o desejo já chegara.
E então não havia mais nada entre os dois; nem idade, nem roupas. Só a concessão plena da vontade dela à dele... novamente.
“Mas o verão que os unira, ainda, vive e transpira ali
Nos corpos juntos na lareira, na reticente primavera
No insistente perfume de alguma coisa chamada amor.”
8/7/2006.