PINOIA
Ele pegou o tubo de tinta com raiva. Sua inspiração havia sumido, assim, repentinamente. Talvez fossem seus devaneios sexuais e amorosos que andavam um pouco fora de controle nos últimos tempos. Num impulso repentino e inusitado, até mesmo para ele, enfiou em sua própria boca e espremeu, enchendo-a com um vermelho magenta.
Segurou firmemente com os lábios toda aquela cor. Sentiu ânsias, mas seu instinto o fez resistir.
A tela em branco ali esperando pela sua genialidade in-confundível. Se com as mãos a coisa não ia, quem sabe daquela maneira. Cuspiu. Um cuspe rápido, seco, certeiro. A tinta se espalhou formando uma imagem surreal, única.
Os intelectuais e os formadores de opiniões iriam adorar essa sua nova fase. Qualquer coisa que fizesse sempre era entendido, estudado e elogiado.
Discorreriam em grossos volumes, toda uma aná-lise sobre esse seu novo trabalho.
Sua profundidade, complexidade e densidade.
Os experts estancariam na frente do quadro, formulariam conceitos, explicariam aos leigos o significado daquela abstração, e definiriam o que havia se passado pela cabeça do artista, no processo de criação daquela extraordinária obra de arte.
Depois disso aprendeu que não precisava mais se preocupar com a inspiração, caso ela não aparecesse.
Afinal, ele era Pablo Picasso.