Em Casa
Olhei pelo vidro sujo e pedi ao porteiro que abrisse. Passei com esforço pela porta e andei pelo tapete vermelho de requinte gasto. Subi ao apartamento no décimo andar. Nem precisei bater a porta, fui recebido por uma loira de cabelos curtos, olhos fundos, braços marcados e um cigarro barato entre os dedos. Um beijo na boca e um abraço apertado. Éramos amigos e eu já estava do lado de dentro da festa.
Entrei na cozinha e tropecei no casal desmaiado. Vasculhei o congelador por uma boa garrafa, e tudo que achei foi uma sem rótulo e aberta. Adentrei na sala com passos curtos e semblante fechado. O primeiro e único atrevido bateu-me às costas e foi presenteado com um banho de sangue. O baque surdo do corpo desabando no piso atraiu todos os olhares. Minha mão direita com os cacos e a esquerda em um aceno antipático. Um por um, todos levantaram de suas cadeiras, largaram seus copos e livraram-se de suas doses. Mostraram os dentes amarelados e ofereceram-me seus lugares. Sentei na varanda e não bebi nada, só inspirei aquele ar pesado de mofo e ressaca. Estava em casa, sim estava em casa. Ninguém ajudou o de camisa listrada caído. Ele acordou e deitou-se no sofá, cansado e lavado de um rubro espesso… o coitado precisava de mais uma dose!
A música alta acobertava os gemidos e sussurros que fugiam dos quartos. No outro sofá, menor, três amigos gesticulavam e gargalhavam em êxtase. No tapete estampado, só pontas e restos de luxúria e desprazer. Estava tudo arrumado para a desarrumação. Sobre a mesa de sinuca duas loucas dançavam um soul com passos de samba. Os novos convidados entravam discretos, encostavam-se nas paredes vivas, de Marilyn a Luther King, e de lá não saíam por nada. Os que saíam, erravam as pernas e as portas.
Fiquei ali sentado pelo resto da noite, sem reações, nem palavras trocadas. Estava ali como o mais puro eu. Estava em casa com meus amigos.