Promessa de fidelidade

Há trinta dias recebia cartas anônimas, todas denunciando que minha esposa tinha carradas de amantes. Fiquei sabendo, assim, que a mulher me traía com o Pedro da farmácia Ventura; com o Augusto da floricultura Amarilis; com o Alaor da quitanda Bonaparte; com o Josuel jardineiro; com o Hipólito, enfermeiro do Posto de Saúde. Um rol de conhecidos e desconhecidos. Numa das cartas o escrevinhador anônimo citava o Pirilo, meu amigo de infância; noutra o Tim, meu subordinado na agência de publicidade. Na carta que recebi hoje de manhã o delator dizia que Solange me corneava com o Igor Karensky. Até com ele. Esse russo filho da puta devia ter uns setenta ou oitenta anos, uma barba branca selvagem e uma língua quilométrica – costumava mostrá-la às mulheres do mesmo modo como os tarados mostram as genitálias.
Sentado na escrivaninha da sala de leitura, eu empilhei todas as cartas num canto e esperei que minha mulher viesse me dar um beijo de boa noite – é meu costume varar as madrugadas com um livro nas mãos. Esperei mais de uma hora, o corpo tenso de raiva, a cabeça quente de tanto pensar num jeito de desmascarar as traições de Solange. Quando ela abriu a porta e entrou, um sorriso esplendoroso iluminando o semblante, minha alma gelou. Provavelmente Solange iria chorar jurando inocência ou esbravejar acusando-me de ser um paspalho que acreditava nas maledicências dos porcos invejosos de nossa felicidade conjugal. Por um átimo pensei em relevar as cartas anônimas. Por um átimo, apenas. Eu não podia mais viver naquela dúvida medonha, estava com um boi entalado na garganta, precisava cuspi-lo para melhor respirar. Ela beijou-me, eu empurrei o monte de cartas em sua direção e apontei-lhe a poltrona. Ela levantou uma sobrancelha interrogativa, ajuntou os papéis e foi sentar-se. Lida a primeira carta – a do Igor Karensky – ela deu uma risadinha cristalina. Levantou-se, caminhou pelo aposento, eu acompanhando-a com uns olhos aflitos. Que reação era aquela de Solange? Eu podia estar enganado, mas uma voz íntima revelava que minha mulher avermelhava-se não de ira, mas de prazer. Ela sentou-se novamente, acabou de ler todas as cartas. Ficou um longo tempo em silêncio, a fronte pensativa sendo massageada pelos dedos da mão. Levantou-se, jogou as cartas sobre a escrivaninha. Foi à estante, mexeu nos livros – parecia que estava procurando a palavra certa para apaziguar meu coração mortificado. Dirigiu-se à janela, abriu-a, deixando que a brisa noturna refrescasse a temperatura subitamente elevadíssima do ambiente. Em seguida foi à porta. Ela vai embora, pensei, vai para o quarto fazer as malas. Quando Solange colocou a mão no trinco, eu gritei colérico:
– Eu quero uma explicação!
Solange retornou à poltrona, sentou-se, descalçou as chinelas de pelúcia.
– Nunca deixei que ninguém tocasse na única parte do meu corpo que você gosta – disse.
Eu fui para perto dela, ajoelhei-me e tomei um dos seus pés. Beijei cada um dos dedos, lambi a sola e o dorso, acariciei-o famintamente. Repeti a operação com o outro pé. Desci a calça junto com a cueca, demorei-me uma eternidade friccionando seus pés nas minhas genitálias até atingir um orgasmo pleno.
– Me prometa que só irá transar com seus amantes calçando um bom par de meias de lã – implorei.
Ela prometeu.