Diário de Um Viajante que Andou no Estranho Mundo Além da Terra e do Céu - Parte I

NOTA DO AUTOR

O que dizer sobre este conto criado a partir de um diário que foi me dado, cujo conteúdo proponho-me a reescrever fielmente? O dono do diário, Pierre Jandeau, eu não conheci pessoalmente. Apenas ouvi falar dele, há vinte e cinco anos, em noticiários de TV e jornais que circulavam em minha cidade, dando conta de misterioso desaparecimento. Até hoje o seu paradeiro ainda não foi totalmente esclarecido.

Tudo começou numa tarde de verão, quando eu escrevia o nono volume do livro sobre a saga dos zumbis mágicos, em minha pequena sala, e a campainha tocou. Não esperando visita alguma àquela hora, fui atendê-la curioso e eis que vejo à minha frente uma senhora negra de seus cinquenta e poucos anos. Ela se apresentou dizendo que se chamava Rose Marie e que era vizinha do jovem desaparecido. Veio até mim com um diário nas mãos, pedindo-me para transformar o conteúdo daquele material em um conto, cuja publicação permitisse a todos tomar conhecimento do que realmente aconteceu com o dono do diário. Contou-me ainda que o diário fora encontrado por um policial dentro de um moinho onde vivia um jovem órfão, encarregado de cuidar da plantação de tulipas em torno de toda a região dos moinhos. O conteúdo deste diário é bastante enigmático. Tanto, que chegou a ser encaminhado a psicológos e psiquiatras, na tentativa de se encontrar ali alguma possível resposta para aquele misterioso desaparecimento. Mas não se chegou a conclusão alguma. Segundo as palavras da visitante, os pareceres dos especialistas, após a análise do diário, davam conta de que tudo não passava meras fantasias vivenciadas pelo seu autor. E que, se tudo aquilo fosse real, ele, com certeza, teria sido encaminhado a um hospício, com um provável diagnóstico de esquizofrenia. A mulher, no entanto, jurava que o jovem gozava de plena saúde mental e física. Contou que ele era trabalhador, forte e talentoso, e que sua única deficiência era o fato de ser surdo-mudo. Em virtude desta condição, tornou-se solitário e passou a viver em completa reclusão, longe da sociedade, que não sabia lidar com pessoas como ele, nem muito menos estabelecer uma fácil comunicação. Mas, apesar de sua deficiência e solidão , o jovem possuía um coração de ouro. Rose Marie era a única vizinha que se preocupava com o rapaz e nutria um grande carinho por ele.

Convidei-a para entrar e tomar um café comigo e conversarmos mais sobre o jovem Pierre Jandeau. Quando ela me entregou o diário, senti que tinha uma grande história nas mãos. Capa de couro, um pouco desgastada e envelhecida, com um pequeno rasgão. Ao abri-lo, deparo-me com as páginas amareladas pelo tempo, com manchas de mofo, preenchidas com sua escrita, ora feita em tinta, ora em lápis. Os relatos apareciam sempre nas páginas ímpares. As páginas pares eram reservadas somente a desenhos, em sua maioria, surreais, estranhos, sem sentido. Alguns realmente pareciam simples, elaborados por uma pessoa comum. Porém, os demais exprimiam algo macabro, que, pela lógica, dificilmente viriam da mente de jovem em juízo perfeito, conforme assegurarva a mulher. Das aproximadamente 200 folhas do diário, somente 64 folhas continham anotações e desenhos. Foi justamente neste ponto que seu autor desapareceu, sem poder dar continuidade aos seus relatos.

Fechei o diário e fiquei pensativo. Confesso que, a princípio, fiquei meio receoso de aceitar aquele pedido de Rose Marie. Mas a mulher foi tão sincera comigo e o material que me entregou parecia tão fascinante e desafiador, que decidi aceitar a dura tarefa de transcrever todo o conteúdo daquele diário, incluindo as ilustrações, feitas pelas próprias mãos do autor. Os relatos eram de difícil compreensão, não só pela linguagem onírica, apesar de simplista, mas pela caligrafia confusa, denunciando um texto escrito às pressas ou talvez um jeito irregular de escrever, não sei. O que importa é que acredito ter conseguido manter a versão fiel desse diário.

Levei duas semanas para transferir todo o seu conteúdo para meu computador. Precisei escanear cada desenho Apesar do esforço, devo admitir que a tarefa tão trabalhosa assim.

Depois de ler o diário e ao terminar o trabalho, percebi que estava completamente envolvido com a história do desaparecimento daquele jovem. O que está escrito ali simboliza um mistério que perdurará para todo o sempre. Será que tudo o que está relatado nessas páginas é mesmo real? Essas experiências teriam, de fato, acontecido?

Sinceramente, em minha opinião pessoal, tenho uma vaga ideia de onde ele poderia estar. E não é preciso ser um expert para entender certas coisas. Seja como for, acho que, onde quer que ele esteja, é uma pessoa feliz e está em seu momento de paz. Mas isto é só uma opinião de cunho pessoal. Deixo agora em suas mãos o diário em forma de livro. Fica a seu critério acreditar ou não nos relatos do jovem Pierre Jandeau.

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O DIÁRIO

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10 de julho de 1985, Villejaune.

A tarde foi muita cansativa. Trabalhei duro para colher todas as tulipas, minhas mãos estão machucadas de tanto carregar as cestas até os caminhões. Pagam-me muito pouco, mas não reclamo. Pelo menos, tenho comida e um lugar para morar. Adoro meus aposentos aqui no alto do moinho, de onde posso contemplar a lua cheia, que brilha sobre o campo de tulipas. É lindo de ver! Sinto falta apenas de alguém especial, que pudesse compartilhar comigo este momento. Pena que a mulher dos meus sonhos não esteja aqui ao meu lado agora. Mas acredito que ela deva estar em algum lugar, não importa onde, e que haverá um jeito de encontrá-la. Enquanto isso, acordo todos os dias com o raiar do sol e saio para os canteiros lá fora, onde posso me deleitar entre as flores. São tão deslumbrantes que às vezes chego a pensar se alguma fada não teria passado por ali só para cuidar delas. Agora tenho preciso tomar um banho e me alimentar. Amanhã terei o dia cheio, tenho que dormir cedo.

[continua...]

Dênis Lenzi
Enviado por Dênis Lenzi em 17/05/2011
Código do texto: T2975657
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