Sr. D / Parte II

CAPITULO II – Pelos olhos da morte

Haviam se passado dois dias após o incidente; Sr. D acordou atordoado com tudo aquilo em sua cabeça, e ao se deparar comigo disse “Maaatt? onde estou? Como vim parar aqui?”.

Como contar que ele havia morrido, ou que eu era o que eles chamam de Morte;

“O Senhor vai ficar bem, tudo será esclarecido. Só precisa se recuperar deve estar fraco pelo acontecido mais; tudo se acertará”.

Pela manhã ao acordar Sr. D estava melhor; levantou-se, lavou o rosto e como se fossemos velhos conhecidos perguntou-me: “diga rapaz, o que houve conosco?”. Sorri, havia ensaiado o breve discurso sobre o que havia acontecido; pareceu a mim ridículo dizer a alguém: - Você está morto!

Comecei então o que nunca pensei fazer... “Sr. D, lembra-se do que houve três dias atrás? O senhor bebeu demais e foi assaltado, e como se já não bastasse o senhor resistiu ao inevitável assalto; Infelizmente foi baleado duas vezes”.

Para minha surpresa Sr. D simplesmente sorriu e coçado as costas da mão perguntou-me “então é o fim? Posso agora ver Meg?”.

Velho cabeçudo, ele não havia entendido que não deveria ter morrido; não ainda, que a todo um propósito para a vida e atentar contra isso é um serio risco; então não havia saída, seria preciso fazê-lo sentir na pele [melhor dizendo na alma].

“Não Sr. D, Meg está em outro lugar que... estimo ser melhor que esse; como disse o senhor não deveria ter partido daquela forma. Hoje iremos dar uma volta. Iremos ao seu velório”.

Aprendi com meus séculos de experiência que velórios são aterrorizantes para entes queridos, então imagine assistir ao seu próprio velório.

Engraçado que em vida o tempo corre como um foguete, já pra mim ele escorre como uma lesma; esperamos então, como costume das cidadelas os velórios sempre eram realizados em casa; com todos pranteando e sofrendo. E lá fomos nós, Sr. D havia aceitado bem o FATO de sua morte, achava que agora tudo seria diferente. Sem dor ou sofrimento, sem culpa e tormentos; é, ele estava enganado!

Chegamos a casa dele exatamente as 18h30, nunca me atraso para compromissos; a casa estava tomada por pessoas que nunca havia visto por aquela cidade; Todos se abraçavam e choravam; Sr. D apenas olhava para todos com cara de despreocupação, ele que havia morrido porque então todos sofriam?

Seus sobrinhos que não o viam há anos, irmãos e irmãs que havia desaparecido e familiares mil que nunca vinham o visitar; todos fraternizados e condolentes um da dor do outro, era até bonito de se ver!

Foi então que pela porta da frente entraram os que eu tanto aguardava, Carlos trazia Tomy em seu colo seu rosto amarrotado apesar de seu terno estar impecável; Carlos abraça Bren que havia chegado há poucos minutos mais havia entrado pela porta dos fundos; ambos choram com uma dor aguda que afligiu a todos no local, Tomy sem entender muita coisa corre ao caixão que está no meio da sala e ao ver seu querido vovô D. imóvel pergunta “porque o senhor se foi vovô, não nos amava mais?” Susan e Christian estavam atônitos próximos ao pai que se segurava para manter a fibra; Tudo isso aconteceu em pequenos momentos, poucos perceberam a imensa onda de dor e sofrimento que haviam chegado naquele lugar. Mas para nós que estamos do outro lado, tudo acontece lento demais, doloroso demais; então virei para olhar o Sr. D e foi chocante a cena que vi, D estava como louco tentando abraçar a Tomy que o olhava perplexo, imagino que se não estive morto Sr. D teria um AVC naquele momento; ás lágrimas rolavam de seus olhos, ele parecia uma criança mimada que exige um brinquedo caro demais para o pai... E ao virar-se suplicou: “um abraço, deixe-me dar apenas um abraço”.

“Não podemos interferir Sr. D, eles estão distantes demais”.

O que havia chamado antes minha atenção, chamou novamente; aquele garoto Tomy não era comum. Ele havia visto o velho Sr. D? Como poderia?

Ele fitava energicamente a parede em que D estava encostado, seus olhos iam de seu velho avô para mim.

Agora D. Estava debruçado sobre seu caixão, e perguntando para si mesmo o porquê de ser tão burro; tão egoísta e imaturo.

Ele começava a entender o que a Morte causa nos vivos; o que significa a dor da perda. Ele viu todos indo embora, viu Bren beijá-lo uma ultima vez, seus netos acariciaram o caixão e sabiam que nunca mais variam a face gentil de seu velho vovô D, Carlos disse a Bren que ficaria, limparia tudo após o carro da funerária vir buscar o corpo.

As horas passaram em um lampejo, ouvi Sr. D reclamar durante 4 ou 5 horas, nunca o havia visto tão mal;

Carlos entrou no quarto por volta das 3h25am cansado de tudo, aflito pela morte do pai; quando ele começou dizendo, acho que pra mim “porque? Primeiro minha Lisi, depois mamãe e agora meu pai; não faça isso. Eu preciso tanto dele aqui, dos conselhos. Como tudo vai ficar? E essa casa?”

Ele dormiu logo após ter começado a me ofender, pobre rapaz; não sabia que de nada eu tinha culpa. Alias a culpa era do próprio pai que estava como um estatua a poucos metros dele, chorando e se lamentando.

O senhor que disse Sr. D, “a vida é o que me aflige meu jovem, simplesmente a vida”. Fiz o que me pediu, eis então aqui, morto!

CAPITULO III – A surpresa

Naquela mesma noite, por volta de 3h fui ao encontro de Tomy, não era possível; como aquela criança conseguirá me ver?

Tomy estava dormindo então resolvi encontrar-lhe em sonho...

Ele estava sozinho em um campo, segurando uma pequena bola com ambas as mãos. Cheguei um pouco mais perto e perguntei-lhe:

- O que lhe aflige meu jovem?

Tomy olhou-me desacreditado – você, você é o homem que estava com vovô no velório, como pode?

Então eu não estava errado, ele havia realmente nos visto; Mas como? Porque razão? Eu havia escondido minha forma humana, ele só poderia me ver se...

- Mamãe disse que tudo ficará bem, que tudo irá se ajeitar e que não devo contar a ninguém o que vi.

Agora as coisas faziam mais sentido, um sensitivo; quem diria!

- Diga a Lisi que tudo ficara bem, e obrigado Tomy por não comentar, essas lembranças te ajudaram no futuro.

Adeus Tomy, até qualquer dia!

Continua...

Paschoal George
Enviado por Paschoal George em 09/05/2011
Reeditado em 10/05/2011
Código do texto: T2959780
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