Sr. D / Parte I

A morte não é nada para nós, pois, quando existimos,

não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais.

(Epicuro)

- Um homem comum,

vida comum e perdas iguais!

Essa é a historia de Dino Marins Alves;

O velho Sr. D que após algumas perdas

acha não ter mais razões para viver!

CAPITULO I

Rio de Janeiro 15 de dezembro de 1980

Ao completar seus cinquenta anos de amadurecimento, Sr. Dino resolve que já está velho demais para existir nessa Terra. Que sua experiência não resultara em nada futuramente.

Começa então a questionar ás manobras da vida, após três anos da morte de sua esposa ele ainda chora ao rever as muitas fotografias;

- Era minha hora de partir Meg não a sua...

A dor do Sr. D como era chamado pelos mais próximos ou; vovô D como seus netos o chamavam refletia em todos que estavam ligados a ele de alguma forma. Sempre reclamando das dores, da solidão, do sol ou chuva; nada lhe agradava realmente!

As doses de conhaque eram cada vez mais fortes, tornou-se assim cliente vitalício do boteco de Sr. Tonho! Era comum vê-lo todas as noites saindo do bar, com uma grande garrafa na mão cantarolando uma musica antiga, seus olhos marejados sempre chamavam minha atenção; E assim se ia Sr. D como me acostumei a chamá-lo.

Mesmo com os surtos paranóicos que vinham com a idade e bebida ele era gente boa; Um bom vizinho, amigo e companheiro. Não me lembro de ter ouvido alguém o praguejar nem se quer uma vez; e vejo muito isso.

A historia do Sr. D começa em seu qüinquagésimo quarto aniversario, sete anos após o falecimento de Meg sua querida esposa e companheira de longa data; Sr. D estava se tornando um homem rude mesmo sem o álcool, já não atendia ao telefone, não fazia a barba ou cortava os longos cabelos; o cheiro de mofo da casa já estava se tornando um com ele.

Sempre ouvi os lamentos do Sr. D, como ele se sentia só, como a morte era injusta por ter levado o amor de sua vida e o deixado abandonado. Apesar de ter 2 filhos e 3 netos a falta de Meg não cessava; Christian e Susan filhos de Bren a filha mais nova; Casada com Fred, um cara bem sucedido com um cabelo ralo que nunca chamou minha atenção; Tomy filho de Carlos o mais velho e mais chegado ao pai sempre foi alvo de minha grande curiosidade, era um menino calado que sempre respeitou a dor do avô, isso se dava ao respeito que via seu pai ter para com ele.

As noites de Ações de Graça já não eram a mesma coisa, afinal sua esposa, mãe e avó dos meninos não estava presente, ainda assim eles tentavam com um desespero visível trancar a felicidade dentro daquela minúscula sala mofada!

Faltavam apenas 3 dias para o aniversário do Vovô D e todos estavam ansiosos pra isso; netos disputavam entre si qual daria o melhor presente, gastando todo dinheiro de mesadas guardadas a meses.

Rio de Janeiro 15 de Dezembro de 1984

Os dias passaram como folhas secas; “é incrível como todos se esqueceram” ouvi Sr. Dino dizer em um de seus momentos de embriaguez. “Hoje, exatamente hoje faz sete anos que Meg se foi, e estamos aqui tentando comemorar; Comemorar o que?”.

Confesso que, me senti uma estatua ao ouvir aquilo; Bem se eu me senti assim, imagine os familiares que estavam à volta da mesa!

Carlos apenas abaixou a cabeça, afinal era também viúvo; sua amada Lisi havia o deixando ao conceber Tomy, “uma gravidez de risco” foi o que ele disse para todos que lhe vinham beliscar como corvos com as infames perguntas sobre o que havia acontecido.

O rosto de Bren foi ao chão, e em um soluçar desabou em lagrimas, os netos se abraçaram e choraram; mais Sr. D continuou frio e seco.

Pigarreou, pediu licença e se foi para o bar, ao sair pela porta disse com um ar de sofrimento;

- Tranquem a porta ao sair, Meg nunca gostou da casa toda aberta.

E lá se foi ele pelo meio da rua, agora afogado nas lembranças de sua amada, que nunca mais voltaria para seus braços; O que sempre chamou minha atenção naquela pobre alma, era a forma com que ele mantinha a postura. Nunca pondo ninguém dentro de sua dor; afinal era dele e ele deveria suportá-la; pela primeira vez em todo tempo que conheço o Sr. D o vi despejar tanta amargura sobre seus filhos. Acredito que tenha sido culpa dos litros de álcool que havia ingerido mais cedo, ainda assim me surpreendeu.

Ele ia de encontro ao boteco, já era vip, um cliente assíduo;

Como de costume pediu sua garrafa de conhaque, um copo duplo e foi sentar-se a mesa mais afastada de todo barulho; Sr. D sempre levava consigo um grande chapelão que cobria todo seu rosto; era alvo de risos algumas vezes, mas quem disse que ele ligava, ou melhor, que ele ouvia.

Na verdade ele se escondia com aquele grande chapéu, afinal um homem tão senhor de si, tão maduro, ancião da cidade não deveria dar vexames ou demonstrar seus sentimentos ao ar livre; sim, ele se derramava em lagrimas ao se embebedar... Acho que chorar o deixava mais aliviado.

Foi então que fiz a coisa mais estúpida que pude, andei até a mesa e parei defronte para ele; Acho que ele sentiu minha presença ali parado, após alguns minutos ele levantou o grande chapelão, me olhou nos olhos e disse “pretende se sentar?”.

Sorri, sentei-me e fiz a seguinte pergunta: “o que lhe aflige?”.

Sr. D olhou-me fundo nos olhos, pigarreou duas vezes e com um breve sorriso disse: “o que me aflige jovem rapaz, é a vida; simplesmente a vida. Mais me diga; qual seu nome?”

Pensei por um longo tempo, como a vida pode afligir alguém? Sempre achei que a morte era temida por todos.

Respondi atônito: “meu nome Sr. Meu nome é Matt, mas agora preciso ir”.

Levantei-me, pus minha capa no ombro e me fui.

Como de costume Sr. D viria pela rua principal, pegaria o beco “L” e sairia de frente para seu “aconchegante” lar. Eram por volta de 02ham, Sr. D achou melhor um caminho mais longo, passando assim pelo lado [não nobre] da cidade; Uma idéia tola eu diria... Ao adentrar em um novo beco que daria para o seu destino atual Sr. D se depara com dois rapazes, possivelmente com seus 18 anos; um deles ri e diz:

- Passa a grana vovô, só a grana.

Sr. D já atormentado pelo fantasma de Meg, por seus demônios interiores; pela certeza de que o fim da vida era a melhor solução para seus problemas. Não teme a ameaça do jovem ladrão e em uma tentativa ridícula de fuga, da às costas e corre. Pura imprudência, ah! Um velho de cinquenta e quatro anos reagindo a um assalto, onde ele estava com a cabeça.

Foram 2 disparos, um acertou a nuca e o outro as costas; Sr. D já estava caído quando cheguei próximo, ele sorria e dizia que tudo ficaria bem. Eu sabia que ficaria, mas infelizmente ele não deveria ir; ele ainda não havia aprendido.

Venha comigo Sr. D, vou lhe mostrar como as coisas realmente são...

_____________

Continua ...

Paschoal George
Enviado por Paschoal George em 06/05/2011
Código do texto: T2952147
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