Noites
Acho que as ruas do século XIX pouco mudaram das de hoje. O sangue foi lavado, mas ruas são as mesmas.
A mesma corja de bêbados caminha noite a fora, procurando um cigarro a mais e uma vodka barata que queima as entranhas, envenena o sangue e nubla a consciência.
E eu, mais um entre eles, procurando o prazer, licíto ou ilicíto. O que minha alma vendida puder comprar.
Sonhos se espalham por todas as esquinas até o dia nascer, entre bitucas de cigarro, garrafas quebras e o vômito putrefato dos bêbados jogados que bebem até a ultima gota do seu salário para poder esquecer toda a semana, toda a vida se possível.
Até as crianças andam procurando a boêmia quando o mundo se torna muito comum, muitos com menos de quatorze anos bebem como adultos para perder a sobriedade e se entregar aos braços da noite que não nega nenhum amante.
As prostitutas berram placebos aos ouvidos de quem quiser ouvir, doces canções aos ouvidos do perdedores, belas promessas a quem não tem mais que si mesmos.
As mesmas noites de sifilís e sexo e morte dos séculos, ainda jogamos merda no chão e mijamos em qualquer canto onde as sombras possam esconder nossos rostos, na penumbra todos nós defecamos, atrás de prédios históricos vomitamos junto dos demais perdidos.
O pecado já não é mais algo ruim, mas a ultima tentativa de gozo, nos entregamos aos braços de quem nos quiser, nos sufocando com cigarros de dez centavos e nos afogamos no melhor destilado que duas moedas podem comprar, para esquecer e recomeçar seja lá o que for que havia acabado tragicamente como tudo costuma acabar na vida. Para esquecer a doença, a loucura, para esquecer a vida, um passo mais próximo da morte, doce e atraente leito, onde queremos dormir, nunca mais acordar e nunca mais ver a luz amaldiçoada do dia que trás sinais de realidade que machuca mais que qualquer outra aflição ao corpo. Para podermos andar na segunda-feira, nós morremos a cada domingo.
Todos somos amigos de todos, não existem inimigos na noite, apenas a policía e alguns outros que não conseguem se entregar ao fim, do qual só se pode chegar com a total entrega.
Não se pode conversar sobre a vida quando se está dominado pelos espirítos amorosos da madrugada, possuídos pelas musas e opiáceos, só se pode conversar sobre o nada, o que não importa e o que nunca existiu, só se pode falar de coisas belas e eternas como o amor e o prazer. Enquanto você está desperto só se pode falar de sonhos, estes são proibídos somente quando dormimos. E se acordarmos, então podemos falar da realidade, do que existe, divídas, trabalho, vida.
Durante a noite, só se fala de amor e poesia, onde todas as cores são cinzas, mas nunca foram tão belas como naquelas horas em que nos entregamos a doce morte.
Morramos meus amigos, um dia mais nesta romantica noite que nasce e esqueçamos de tudo que importa do dia que morre.