Genioso

Enquanto a vida cotidiana se desenrolaca pelas ruas, dois gênios, ou anjos - embora eles odeiem ser chamados assim - observavam, sentados no beiral de um prédio.

- A cidade está cada vez mais poluída! - disse o primeiro para puxar assunto.

O outro o olhou de lado. Estava com vontade de conversar? - era um gênio de muito mau gênio, um gênio muito genioso.

- As pessoas cada vez nos ouvem menos! queixou-se o outro, ainda disposto a entabular conversa.

O segundo suspirou. Chamava-se Mustafá, era de origem árabe e estava desempregado, no momento. Havia sido gênio de um menino-bomba, já que o "homem-bomba" que a televisão nem sequer citou o nome, não havia entrado ainda na casa dos vinte anos.

Mustafá atravessava uma crise de identidade e estava deprimido, pouco disposto a conversas. Nem sabia o nome do outro gênio, nem o conhecia. Sentara-se ali para descansar as asas.

- Perdão, a sua graça?

O outro animou-se, finalmente conseguira arrancar do gênio de gênio ruim alguma atenção.

- Sou Bjärk, um seu criado! E você?

- Mustafá.

- Oh! perdão, eu soube...o menino...

- Pois é!

-E realmente uma pena! Sinto muito.

- Não tanto quanto eu, garanto.

- É verdade! Eu não lhe dizia? As pessoas já não nos ouvem, é um absurdo. Há duzentos ou trezentos anos quando sugeríamos o amor à vida, a preservação dos próprios interesses, o desejo de amor eterno, o nosso "protégé" sempre nos atendia...mas agora, olha isso: as pessoas não nos obedecem! É degradante.

E passou a falar, numa verborragia inútil. Mustafá sentiu um arrepio. Estes gênios do norte da Europa em geral eram dúbios...nunca se sabia se gênio ou gênia, havia problemas de gênero entre esses gênios.

Enquanto o outro - ou a outra, vá se saber! - falava, Mustafá pensava que o que faltava não era obediência, mas sim inteligência visto que a humanidade, apesar de tantos progressos tecnológicos continua burra, teleguiada e incapaz de definir-se.

Subitamente o sol se pôs e os gênios sumiram.

Lá embaixo a vida continuava a acontecer.