Manicômio
O sol adentrava a janela do quarto, naquela manhã sublime de janeiro! As cortinas de veludo, com cordinhas marroquinas e pontas de pompom, “dançavam” graciosamente, com o toque da brisa, só para agradar-me. O céu azul estava alegre, sorrindo, tão belo como as geleiras da Antártida. Porém, por mais angelical que fosse aquela manhã de verão, não aliviaria minha dor. Todavia, não cessaria a ferida sacramentada no meu coração, que ficará até o fim dos meus dias. Contarei a vocês os fatos.
Rio de Janeiro, 13 de maio de 2004.
Estávamos no Jardim Botânico, zona sul, brincando com duas princesinhas de porcelana. Uma era loira, assim como eu; a outra morena, como a mãe, que estava à beira do chafariz, jogando migalhas de pão aos peixes, enquanto eu voltava com dois algodões doces:
-Papai, me dá o Rosa – disse Carla, enquanto a mexa dos cabelos loiros tapava-lhe o olho direito.
-Tudo bem, filha, fique com ele.
-Mas eu queria o rosa – disse Carolina.
-Filha, você não gosta do azul? Ele é igual aquele coelhinho da Turma da Mônica.
-Eu gosto, mas eu quero o rosa.
Cristina olhou-me por cima dos óculos, como quem diz: “vá até o vendedor e troque”. Não teve jeito: fiz o combinado.
Quando olhei para trás, ele estava próximo a saída. Tive que correr um pouco, mas valeu apena, pois, cheguei a tempo. No meio do caminho, aconteceu algo corriqueiro que, “normalmente”, ocorre em regiões de segurança mínima: tiroteio.
Corri apavorado para reencontrar as meninas e minha esposa, porém, já era tarde: as três foram mortas por motivo fútil, por dois usuários de crack, que queriam celulares e dinheiro. Ver minhas rainhas mortas deixou-me desalentado, num estado eterno de choque; não tinha reações.
Desde este dia trágico, não saí mais de casa, não respiro o ar como outrora, não sinto nada além de saudades, quando olho o retrato em família, pendurado num enorme quadro na sala. Quando revejo os vídeos, gravados em férias e feriados, às lágrimas descem, olhando minhas pombinhas batendo asas, livres, soltas; e Cristina, com seu jeito meigo para ampará-las. Só não imaginava que as asas delas fossem arrancadas tão cedo.
Após quatro meses, comecei a ter visões e ouvir vozes, e toda essa mudança repentina, fez-me falar sozinho com frequencia. Não demorou muito, fui internado num manicômio, onde até hoje vivo feliz, conversando com as paredes; ou melhor, com as minhas princesinhas, que vivem no além, porém, as únicas que têm ouvidos para me escutar.
Fim.