A felicidade não existe...

Era tarde da noite quando chegou. Jogou as chaves na mesa centro e sentou no sofá. Tirou os sapatos um por um e pôs de lado com cuidado como se ele pudessem se machucar se caíssem. Deitou-se e no teto o ventilador girava indeciso.

Em seis anos conquistara tudo. Mas nos últimos seis meses percebera o vazio que havia em sua vida. A expressão era rígida e talhada para um ambiente administrativo hostil. Havia conquistado tudo. Era a um ano a diretora regional de uma grande multinacional.

Há alguns dias os amigos pessoais entraram em contato com emails, telefonemas, mas não atendeu a ninguém. Permaneceu lá por mais seis semanas. Vivia para o trabalho. Tinha todos os sapatos que sonhou.

A sua infância havia sido difícil. Seus relacionamentos muito intensos e cheios de ciúmes e insegurança. Não havia mais ninguém. Tornara-se inalcançável para seus amigos. Nada podiam fazer. Havia se mudado para um apartamento maior e isso deu uma maior dimensão a sua tristeza, ao seu vazio.

Não podia mais com aquele peso morto. Tudo pesava seriamente sobre suas costas, a responsabilidade de estar ali por si mesma era muito grande, insuportável. Levantou-se e foi ao toalete. Olhou-se e olhou-se. As lágrimas lhe vinham calmamente. Lavou o rosto. Escovou bem os dentes. Maquiou-se como se fosse sair.

Em sua melhor roupa calçou e descalçou vários sapatos. E cada um guardava devolta como se fossem tesouros delicados no armário. Até que enfim, achou aqueles que seriam perfeitos.

Manolo Blahnik.

Era perfeito. Diante do espelho aquela mulher exuberante, bem sucedida, inteligente e sem rumo se mirava séria e complacente.

Vasculhou no alto do armário uma caixa.

Ela só lembrava da música e daquele cheiro. De como seus pés ficaram sujos de uma sujeira estranha. Aquela sensação já estava em toda parte. Então a porta se fechou e um estampido cortou aquela madrugada. E num papel na mesinha de centro escrito com sua letra dizia:

“A felicidade não existe.”

Ana Tereza