Estranha Vida

O sol atravessou a persiana e pousou sobre as pálpebras cerradas de Immanuel.

Persianas? Desde quando havia persianas em seu quarto? Immanuel pensou, ao despertar vagarosamente.

Ajeitou-se na cama e tateou o lado direito da cama.

— Elena? — mas a esposa não estava ali.

Na penumbra do quarto, enquanto sua vista se habituava à pouca claridade, ele não reconheceu os móveis, nem o próprio quarto.

Levantou-se e ergueu a cortina. O mundo lá fora era estranho, desconhecido — multidão, templos e trânsito caótico.

Onde estava?

As roupas dependuradas na poltrona não eram suas, mesmo assim, vestiu-as e serviam-lhe perfeitamente.

Sobre a pequena mesa da cozinha, um molho de chaves. Apanhou-o, penteou os cabelos e saiu para um corredor que nunca antes vira. Desceu as escadas e mergulhou entre as pessoas de feições asiáticas.

Onde estava?

Não compreendia a língua, não sabia se orientar. Podia estar na Tailândia, em Bangladesh, na Birmânia, na Indonésia... Podia até estar em algum daqueles remotos estados independentes da Rússia, na Índia ou Filipinas. Não sabia.

Na noite anterior, estava em sua casa, confortável, financiada em vinte anos, na sua cama, com sua esposa, os filhos dormindo no quarto ao lado. No dia anterior, estava no escritório, aguentando o patrão insuportável, os telefonemas intermináveis, o café intragável.

Mas, hoje, nada disto havia. Sem saber, sem dar-se conta, havia viajado milhares de quilômetros para uma terra longínqua, estava desentranhado, arrancado de seu mundo habitual.

Teve medo.

Parou um transeunte, segurando-o pelo braço.

— Onde estou? — perguntou, mas os olhos imbecis lhe devolveram incompreensão.

Caminhou pelas ruas frenéticas, pelos mercados e becos. Não queria se perder, mas precisava descobrir o que havia ocorrido durante a noite de sono.

Será que o haviam dopado, jogado-o num avião e posto-o naquele apartamentinho? Talvez o ontem de sua memória nem houvesse sido ontem, talvez fossem dias atrás, ou meses, ou anos. Quem sabe estivera em coma durante este período? Sofrera algum acidente e perdera a memória? Seria ele quem pensava ser?

Encontrou um telefone público e puxou algumas moedas do bolso. Ligaria para casa e resolveria este problema. Ligaria para casa, falaria com a esposa e, em breve, estaria novamente entre os seus.

Primeiro, não conseguiu completar a ligação, depois, uma mensagem automática, em sua língua, indicava:

— Este número não existe. Por favor, consulte a lista telefônica.

Desesperou-se. Havia se esquecido do telefone de casa, ou seria algum problema com a telefonia?

Retirou a carteira do bolso interno do paletó e conferiu seus documentos. No passaporte, a foto era sua, mas o nome não. Constava que era de um país em que nunca havia posto os pés. Coçou a cabeça. Na vitrine de uma loja, mirou-se por vários minutos.

Quem sou eu?

Mais tarde, retornou ao seu quarto, sentou-se na beirada da cama e tapou o rosto com as mãos.

Durante anos, sonhou com o dia em que seria livre, em que poderia viajar o mundo e viver aventuras incríveis. Este dia havia chegado, mas ele não se sentia feliz; esta tal liberdade o incomodava. Era demais para ele.

Encolheu-se na cama e chorou quietinho, como quando era criança e trovejava lá fora.

Uma nova vida — seu maior desejo — lhe havia sido concedida, mas Immanuel não sabia o que fazer com ela.

Era uma vida estranha demais.