RESUMO SEMANAL DA DEPENDÊNCIA TABAGISTA

Escrevi esses relatos ainda internado no hospital João Lúcio, num dia em que eu havia tido uma leve melhora significativa, mas que não duraria nem uma semana, pois quatro dias depois eu acabei desencarnando, é engraçado como eu deixei meu corpo lentamente o que me fazia pensar sempre na resposta que eu dava quando me diziam que o cigarro prejudicava a saúde e matava aos poucos, eu respondia que não tinha pressa, e realmente fiquei desesperado no dia da minha partida, pois queria logo deixar aquele corpo estragado e me tornar eterno, pena eu não saber que o meu espírito também estava todo machucado devido à vida sedentária que eu levava. Essa história começou ainda quando eu trabalhava no distrito industrial em um segundo turno bastante puxado onde raramente havia folga nos dias de sábado, e pelo menos três vezes por semana havia hora extra, eu ainda nos meus 20 anos achava que estava muito novo e poderia fazer tudo que tinha direito e usar tudo o que existisse.

Inicio dos meus atos, 17 de julho de 2001.

Acordo às 15 horas; dou uma espreguiçada na cama e ainda estou com bastante sono, pois o sono da tarde não se compara com a noite, por mais que passe a tarde toda dormindo você sempre acorda cansado, 15h10min me levanto da cama e vou tomar um banho, arrumo-me e merendo.

1º ato – um cigarro ao sair de casa, 15h30min.

2º ato – um cigarro ao chegar ao ponto da rota, 15h45min.

Muito bem...

Chego à empresa pontualmente às 16h30min, visto o fardamento e saio do vestiário passando pela frente do refeitório onde os outros trabalhadores estão merendando, como já merendei em casa, vou até a cantina e compro um lanche, quando não, compro um pacote de bolacha.

3º ato - um cigarro na pracinha que fica entre o refeitório e o vestiário, onde converso com alguns amigos que dividem o mesmo modo de vida.

Em seguida me dirijo para o meu setor de trabalho (embalagem) passo no meu armário e pego meu material e sigo para a área de lazer, são 16h50min.

4º ato - um cigarro na área de lazer com os meus companheiros de setor.

Vamos seguindo...

Começa o trabalho normalmente, sempre as mesmas conversas, as mesmas brincadeiras brigas etc. às 20h35min, paramos para o jantar, todos saem desesperados para o refeitório, eu corro para lavar meu rosto e as mãos, então vou até o meu armário e pego meu lanche ou bolacha vou comer sempre acompanhado do café na garrafa enferrujada que fica no setor. Eu não vou jantar!

Levo no máximo 5min para comer o lanche, e em seguida me encaminho novamente para a área de lazer.

5º ato - 20h45min um cigarro ao chegar à área de lazer.

6º ato - outro cigarro em seqüência.

Dou um tempo...

Depois de algum tempo meus amigos que foram jantar começam a chegar e eles vêem na fome de fumar também, e então para acompanhá-los.

7º ato - um cigarro para acompanhar meus amigos que voltaram do refeitório.

8º ato – outro cigarro, pois como o intervalo é curto, gosto de fumar dois cigarros em seqüência acompanhando sempre os outros que estão chegando.

Mais um tempo...

Então quando faltam exatamente dez minutos para o fim do intervalo.

9º ato – o último cigarro dentro da área de lazer, e novamente reinicia o expediente que vai até as 01h50min da madrugada, isso quando não tem hora extra.

Nessa etapa do trabalho eu fico desesperado, pois como eu troco a vontade de comer pelo prazer de fumar, quando inicia os primeiros minutos após o intervalo eu começo a tomar café, mas não é um café qualquer muito pelo contrário, é um café industrial armazenado dentro da garrafa velha do setor, cheia de lodo, e com esse café eu passo todo o resto do expediente.

Esse café é feito às 18 horas e quando já são 21 horas, ele já está completamente azedo, mas mesmo assim eu preciso tomá-lo, pois o lanche que eu compro ou mesmo a bolacha não são suficientes para agüentar a fome durante o resto da madrugada.

Quando o relógio marca 23 horas, o pessoal do terceiro turno chega e vão buscar café fresco, quando quem vai buscar esse café é alguém educado ele se dá ao trabalho de jogar o café frio, lavar a garrafa e enche-la com um café fresco e quente, mas quando é uma pessoa ignorante (que é a grande maioria) ela não se dá esse trabalho e mistura o café ficando uma coisa nojenta, mas eu passo a madrugada toda tomando esse café, um copo atrás do outro até o fim do expediente.

Termina o expediente...

Antes de bater o ponto e sair do setor, eu vou apressadamente para a área de lazer.

10° ato – um cigarro de despedida.

Saio do setor apressadamente, mas não vou para o refeitório comer o lanche de saída, pois eu preciso tomar banho já que não gosto de entrar na rota todo suado, então se eu for merendar e tomar banho eu posso perder o horário de saída.

11° ato – um cigarro antes de entrar na rota.

12º ato – outro cigarro fumado apressadamente.

Entro na rota, e a maioria quer tirar um cochilo, eu estou completamente ligado e eufórico devido à grande quantidade de café ingerido madrugada adentro, eu não cochilo dentro da rota fico perturbando os outros e faço uma pequena oração de agradecimento por mais um dia de trabalho.

A rota me deixa em casa as 02h45min da madrugada, e eu já desço da rota metendo a mão no bolso para tirar a carteira de cigarros.

13º ato - um cigarro em frente de casa, que é o cigarro mais gostoso, relaxante e demorado.

Entro em casa, tiro a farda suja e levo para a cozinha, já deixo perto da máquina de lavar, visto meu calção de dormir e corro até o fogão para esquentar o jantar que a minha mãe sempre deixa para mim, ás vezes eu nem esquento e como tudo gelado mesmo, até mesmo o feijão todo grudado eu como e encho de farinha em plena 03 horas da manhã. Termino, deixo o prato na pia, tomo um copo de coca-cola que eu sempre deixo pra tomar nessa hora, mesmo a coca já estando completamente sem gás, só aquele xarope ácido, eu bebo uns dois copos daquilo.

14º ato – um cigarro após essa saudável refeição.

Vou pro meu quarto e ligo a TV e quando não, coloco um DVD pra assistir o resto da manhã toda, abro a janela do quarto para entrar um ar puro, passo a madrugada toda assistindo filme e quando são 06 horas da manhã, eu decido ir dormir.

15º ato – um cigarro antes de dormir.

Acordo 09 horas da manhã para tomar café, ou seja, dou um cochilo de apenas três horas.

16º ato – um cigarro antes do café.

17º ato – outro cigarro depois do café.

O resto da manhã eu fico lendo, ou ouvindo música esperando chegar a hora do almoço, que minha mãe sempre serve 11h30min.

18º ato – um cigarro antes do almoço.

19º ato – outro cigarro depois do almoço.

Fico relaxando.

Depois que terminam os programas de esporte é a hora que completo meu sono, e vou para cama dormir até as 15 horas.

20º ato - um cigarro antes de ir me deitar e começar tudo de novo.

E nos fins de semana essa quantidade de cigarro era multiplicada com a mistura do álcool, o meu melhor amigo, eu podia estar doente, mas era minha lei beber grades e grades de cerveja todo o fim de semana. E junto com essas cervejas o cigarro estava sempre ao meu lado preso entre meus dedos, eu achava isso muito bonito, pois ser jovem é isso, para quê se preocupar com o futuro, se é o presente que vale a pena de verdade, nós somos jovens e bonitos, temos uma vida toda pela frente, para quê perder tempo nas igrejas ou mesmo perder o sagrado domingo pra ficar oferecendo sopa na periferia? Eu quero é viver loucamente cada minuto, eu sou jovem!

Essa era a minha vida, eu não estava percebendo o estrago que cometia comigo mesmo, praticamente era um suicida, não percebia o motivo de estar apenas com 20 anos e já não satisfazer as mulheres por completo, de não conseguir mais jogar futebol e muito menos fazer caminhadas, não entedia o motivo de estar sempre com a garganta ressecada e inflamada, mas isso não me fazia medo, ora eu era jovem! E doenças são coisas de pessoas velhas pensava eu; pena eu descobrir tarde o que me levaria desse mundo cedo demais.

Esse aviso infelizmente chegou tarde demais para mim, mas a piedade dos mestres espirituais permitiu que eu passasse essa curta mensagem, mesmo já não fazendo parte do plano físico, agora sim posso enfrentar minha sina sem medo e procurar o mais rápido possível curar o meu espírito que está todo machucado por tudo que fiz e vivi na terra. Uma vida sem sentido comunitário, sem amor pelo próximo, uma vida regada apenas aos vícios que o mundo nos oferece, e esse preço agora irei pagar sozinho, pois fui generoso com os donos de bares e botecos, fui caridoso ao oferecer cigarro aos que não tinham, mas não fui nenhum pouco caridoso com meu próprio espírito e não tive nenhum pouco de humildade perante meus irmãos.

Sid Sheldowt
Enviado por Sid Sheldowt em 21/03/2011
Código do texto: T2861575
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