O segredo das poderosas

No começo da primavera de 1980 eu tinha vinte e cinco anos e era delegado de polícia de Indaiara. Por essa época, o nosso deputado apareceu com uma mulher a tiracolo, confinou-a em sua residência de solteirão convicto e não deu satisfação a ninguém – e nenhum de nós ousou ser indelicado. Muito exigido nas lidas políticas, só podia visitá-la duas vezes por mês. A concubina era de uma beleza avassaladora, tinha um ar de provocação nos olhos azul-safira, usava os cabelos louros em um rabo-de-cavalo amarrado com uma fita de veludo negro, os lábios eram carmins, polpudos, as unhas longas cintilavam com o esmalte vermelho; era alta, um metro e oitenta no mínimo; constituição forte e os seios pequenos caberiam dentro de uma mão em concha. Soubemos, através do agente dos Correios, que se chamava Ramona.
Dona Marilda, a jovem esposa do nosso septuagenário prefeito, foi a primeira a manter contato com Ramona, disposta a arregimentar mais uma ignorante para movimento women’s lib. Logo essas visitas se tornaram frequentes, era comum ver as duas sentadas no alpendre, escandalizando os passantes pela quantidade incrível de garrafas de cerveja que esvaziavam.
Não demorou muito para a juíza também se tornar amiga de Ramona. E logo as maiorais de nossa cidade faziam ponto na residência. A diretora do colégio Sagrado Coração de Jesus. A provedora da Santa Casa de Misericórdia. A perita do IML. E outras tantas do mesmo calibre. Quanto aos homens, nenhum de nós teve peito para fazer uma aproximação – não era apenas por respeito ao deputado, mas me parece que as mulheres haviam feito um invisível, mas impenetrável cerco de proteção em torno da beldade. E o tempo foi passando.
O outono chegou com rajadas de ventos inconcebíveis. A ventania durou o dia inteiro e cessou repentinamente por volta das sete da noite – foi quando ouvimos dois disparos de arma de fogo vindos da residência de Ramona. Mas que diabo estaria acontecendo? – ficamos a nos perguntar, visto que o deputado estava fazendo a sua visita quinzenal. Mandei um policial averiguar, pouco depois ele voltou branco de terror. O deputado dera um tiro no peito de Ramona, em seguida metera um balaço na cabeça. Tolhido pelo inusitado da situação, a única coisa que me ocorreu foi ordenar que o local da tragédia fosse isolado.
Tirou-me da momentânea perplexidade a jovem esposa do prefeito septuagenário. Convocou-me para uma reunião de urgência – e voltei a ficar confuso quando vi que lá no salão nobre da prefeitura só havia mulheres. Estavam mortificadas, arrasadas, aturdidas. A juíza olhou pela vidraça as luzes âmbares dos postes, depois o céu que se cobria com grossas nuvens cor de chumbo. Em seguida trocou um olhar de entendimento com a perita do Instituto Médico Legal. A juíza voltou a sentar-se na grande mesa de reunião e revelou-me um segredo que eu deveria, para o bem da comunidade, continuar protegendo a qualquer custo: Ramona, a bela, era tão amada por todas as maiorais porque possuía entre as pernas um apêndice que mais parecia um cabo de martelo – quando em repouso.