Macho alfa

Passei o dia todo procurando emprego, as pernas me doíam, os pés tinham bolhas enormes e uma febre anunciando gripe me devastava. O que amenizou um pouco a provação de receber tantas portas na cara foi o jogo de bicho; fiz uma fezinha num terno de tigre, gato e borboleta e ganhei uma bolada que deu para pagar o quartinho onde dormia e sobraram ainda uns trocados para beber cachaça pelo menos durante duas semanas. Jantei uma comida decente na bodega do Leôncio, comprei um litro de 51 e fui dar umas voltas, estava uma noite clara, de lua cheia. Sentei num banco da praça, um banco de madeira sob uma palmeira, e fiquei ruminando meus fracassos. Sou motorista profissional de caminhão, mas por causa da bebida os homens da fiscalização de trânsito me apreenderam a carteira de habilitação. Nem trabalho braçal eu conseguia, estivera enturmado com uns saqueiros, a gente carregava de tudo nos ombros, de sacas de alimento a peças de maquinário pesado, aí eu tomei uns gorós a mais, saí no braço com os companheiros, fui chamado ao sindicato, distribuí por lá uns pescoções e acabei definitivamente marcado como encrenqueiro indigno de confiança.
Fazia umas duas horas que eu estava sentado na praça a mamar pequenos goles no litro de pinga quando uma mulher de uns trinta anos parou ao meu lado:
Você tem fogo?, perguntou e me mostrou o cigarro. Dei o isqueiro. Ela acendeu o cigarro. Deu algumas tragadas soprando fumaça para o alto. Guardou o isqueiro na bolsa. Era alta, vestia uma calça de brim desbotado e uma blusa de tecido muito fino, quase transparente, bege, que destacava os seios imponentes, o castanho dos mamilos prometendo delícias carnais. Ela começou a jogar conversa fora a respeito do tempo, eu respondia às suas perguntas com um resmungo e continuava a beber. Então ela fez o convite para irmos a um hotelzinho-pulgueiro. Pensei comigo: Por que não? Fazia um tempão que eu não transava. Muito tempo. Sempre faltou o maldito dinheiro para pagar uma prostituta – mas agora eu ganhara no bicho, e dinheiro fácil vai fácil.
Coloquei o litro de cana, pela metade, no pé da palmeira e segui com a mulher. O hotelzinho – como eu tinha adivinhado – era de causar arrepios. O recepcionista exigiu o pagamento do quarto adiantado, me olhou de um modo estranho, estranhíssimo, deu uma piscadela suspeita para a mulher. O quarto tinha uma cama de solteiro de ferro, um colchãozinho ordinário, uma mesa com um jarro de água para a mulher lavar as partes antes de ir à cata de novo cliente – tudo igual a milhares de quartinhos de viração. Sentei-me na beira da cama, estava desamarrando o cordão de um dos sapatos quando a porta se abriu com estrépito e um sujeitinho insignificante me mostrou uma faca.
Vai passando a grana, vagabundo! berrou. Sorri comigo mesmo, o manjado suadouro. Só que o desgraçado não tinha classe nem para carregar um revólver. Praticava o golpe usando uma faca! Era de rir. Ali estava o cara com a faca na mão, o pobre-diabo nem mesmo sabia empunhar o instrumento; amarrei novamente o cadarço do sapato, olhei as pernas abertas do carinha e meu pé em coice de mula foi direto para os seus bagos. Achei muito interessante a expressão de dor em seu rosto, uma coisa diabólica, a boca aberta num sorriso macabro, os olhos fechados escorrendo lágrimas. O sujeito foi encolhendo, murchando, diminuindo até se distender no chão. Então apliquei nele alguns chutes, quebrei algumas costelas. Porra, o meu dinheirinho tinha vindo fácil e iria desaparecer num piscar de olhos, mas do jeito que eu decidisse! Deixei o malaco já meio desfalecido e me voltei para a sirigaita. Apavorada, ela tinha se encolhido junto à cabeceira da cama. Peguei a bandida pelo pescoço, ela implorou:
Pelo amor de Deus, você não pode bater numa mulher!
Ah, mas eu posso sim, minha querida, posso sim, falei raivosamente; a intenção era transformar o rosto dela numa panqueca. Acabei sentindo pena, dei apenas umas boas bofetadas pra ela meter um pouco de juízo na cachola. Sangrou bastante no nariz, só isso. Peguei meu isqueiro em sua bolsa, limpei o sangue da mão no lençol, deixei o quarto, procurei pelo recepcionista, o miserável tinha abandonado o seu posto. Voltei para a pracinha, peguei o litro de pinga ao pé da palmeira, me sentei no banco de madeira – que noite! Fiquei ali por uns vinte minutos, usufruindo do frescor noturno; fumei um cigarro, bebi o resto de cachaça, me pus de pé, joguei o casco na lixeira. Todos nós, eu, a prostituta, o carinha da faca, não passávamos de cães vira-latas sarnentos, mas, juro por Deus, naquela noite eu sentia um orgulho danado de ser uma espécie de macho alfa. Dei uns passeios pelas alamedas solitárias. Nunca tive espírito poético, mas a noite realmente estava maravilhosa, um jasmineiro algures empanturrava o ar com o perfume de suas flores, um ventinho benfazejo brincava com as árvores. Em pouco tempo encontrei uma garota rodando a bolsinha. Fomos para o meu quartinho de aluguel.