Um santo homem

Todos os dias era a mesma coisa. Pela manhã, assim que os primeiros raios de luz do sol emergiam no céu escuro, começava a grande batalha diária. Dois grunhidos intercalados por deliciosas mastigações de vento, socos e pontapés nos vilões da imaginação e alguns tapas no próprio rosto, como se quisesse provar sua virilidade; mas provar a quem? Se ninguém o via. Todo esse carnaval durava exatos treze minutos. Ao cabo dessas ações, Alonso punha-se de pé.

Um cajado de cabo de vassoura e uma túnica feita de retalhos de panos de pratos e saco de batatas, eram os seus trajes, que mais pareciam reais, coisa de rei, visto que a imponência no caminhar e gesticular levaria todos a crer nisso. Mas a elegância do pobre Alonso não era vista. Crianças, jovens, adultos, senhores e senhoras, cães, gatos, moscas, pernilongos, abelhas, sombras, nada, ninguém notava a existência de Alonso.

Porém ele nunca mudava o seu hábito de cumprimentar as pessoas com um sorriso franco:

- Olá, como vai? Bom dia. Cuidado com o sol. Eu posso ajudar de alguma forma? Boa tarde. Até mais ver.

Todos sem réplica.

As vezes acertavam-no uma bolinha de papel, um chiclete mastigado, uma lata de refrigerante. A tudo isso Alonso sorria, afinal alguém havia notado-o; no entanto o sorriso logo tornava-se tristeza, ele estava ao lado da lixeira.

Ao fim da tarde, quando cansava de tudo e de todos, nosso invisível amigo, sentava no banco da praça central, alçava o olhar para o céu e dizia:

- Meu pai, até quando tenho que suportar isso?

A sua solidão era tão dolorosa, que Alonso perdera a capacidade de chorar. Um pranto sem lágrimas. Uma dor sem fim.

Ao fim da tarde, nosso cavalheiro sem lágrimas voltava ao seu leito – caixas feitas de papelão abertas e sobrepostas – num escuro e silencioso canto da praça central e lá ficava até o sono chegar, até o dia novamente amanhecer.

O dia seguinte era como fora o anterior. Seus dias eram gagos, assim como sua vida.

Entretanto algo surpreendente ocorreu, numa tarde, na praça central. Uma onda de calor insuportável assolou o lugar. Os transeuntes, não suportando o calor, procuravam abrigo nas lojas. Crianças choravam; as plantas que ornavam a praça evaporavam-se; o tráfego ao redor tornava-se cada vez mais escasso. Em pouco tempo, por toda a praça, fez-se um grande silêncio, habitada, agora, apenas por Alonso, que, ao contrário dos outros, não notou o calor, nem o silêncio.

Subitamente um clarão; e, em meio a luz, uma voz foi ouvida por todos:

- Hahaha... obrigado! Obrigado! Hahaha...!

Quando a luz cessou, todos saíram das lojas e foram à praça; e nela encontraram uma túnica e um cajado xilogravado com a seguinte mensagem:

“Enfim, humano”.

Muitos indagaram: “De quem são estas coisa?”. Uma senhora, com um terço na mão e lágrimas nos olhos, disse:

- Talvez seja de um anjo que viveu entre nós, mas que, agora, retornou ao céu. Um anjo.