Tiro Terapêutico
Este conto é real. A vida como ela é sempre nos reserva surpresas e é sempre mais fantástica que a mais louca das imaginações.
A senhora de sessenta e poucos anos há muito tempo sofria de forte depressão.
Nos últimos anos, já não suportando mais a vida, pensava seriamente em morrer. Não tinha coragem de se matar, mas pedia, insistentemente, ao seu velho marido, beirando os oitenta anos, que a matasse, e que também fosse junto com ela para o outro mundo.
Passou o ano inteiro implorando para ser morta. O marido se recusava a fazer tal coisa. Tentava todo tipo de tratamento para a esposa, sem o menor sucesso.
Um certo dia, em desespero, a senhora propõe um pacto de morte.
Travou-se o seguinte diálogo: - Vicente, meu marido, use aquele revolver que você tem guardado e me mate e, em seguida, mate-se também. Acabemos com essa agonia.
- Mas Shirley, eu não posso fazer isso com você e muito menos comigo mesmo. Pare com isso!
Os dias passam e Shirley insiste com o Vicente sobre o pacto de morte.
Até que aparece uma ideia sinistra na cabeça de Vicente: “A Shirley deve estar pensando que sou covarde, não aguento mais essa pressão, vou atender o pedido de minha mulher”.
Naquele dia fatídico, Vicente apanha o seu revólver, escondido em um pequeno cofre, resolvido a acabar com aquele sofrimento sem fim. Encontra a Shirley num sofá da sala e diz que vai atender o seu pedido. – Por favor, faça isso, Vicente, acabemos com a vida logo, pode atirar em mim. – Está certo, vou atirar!
Dois tiros ecoam na sala, o sangue jorra do peito da velha senhora, deitada no sofá. Vicente, lentamente, sobe para o andar de cima de sua casa, deita-se na cama e desfere dois tiros no coração. Não morre. Levanta-se, cambaleante, e se vê no espelho todo ensanguentado. Pensa que morreu, porém vê que ainda está vivo. Fica sem entender o que está acontecendo. Lá de cima ouve gemidos da Shirley. Atordoado, se desespera. Nesta hora terrível, entra na casa uma das filhas do casal.
Os dois, socorridos a tempo, são salvos. Shirley ainda permaneceu por seis meses no hospital, seu estado merecendo maiores cuidados. Quase morreu de verdade.
As balas, por um milagre, não atingiram o coração de Shirley, assim como também as balas desferidas contra o próprio peito de Vicente não penetraram no coração dele.
Vicente foi preso, acusado de tentativa de homicídio e processado pelo Tribunal do Júri. É a lei. E ela foi cumprida à risca.
É nesta fase que a senhora Shirley se cura de sua depressão.
Sentindo-se culpada, afinal a proposta do pacto foi dela, precisava, urgentemente, ficar boa para dizer a todo mundo que seu marido era inocente. Precisava ser a testemunha chave que salvaria o seu amado Vicente.
O Promotor de Justiça toma conhecimento dessa estranha história e no dia do Julgamento pede aos senhores jurados que absolvam Vicente da acusação.
Durante o depoimento de Shirley, no Tribunal, a velha senhora suplicava ao Promotor que fosse bonzinho com o seu marido. A emoção generalizada naquele Tribunal era flagrante! Um julgamento insólito!
Assistiu-se, então, de repente, como um dique represado que estoura, uma cena inusitada: todos choraram na Sessão do Julgamento, o Promotor, o Juiz, o advogado de defesa, os jurados e a imensa plateia, curiosa pelo desfecho de um caso que nem o maior novelista ousaria imaginar para sua novela. Um choro coletivo como nunca se vira antes naquele Tribunal.
Convidada a falar sobre esta fantástica história, Dona Shirley, totalmente curada de sua depressão e com enorme vontade de viver, mais apegada ainda ao seu querido marido Vicente, repetia a toda hora, com grande alegria: “Foi um tiro terapêutico, foi um tiro terapêutico”.