CONFLEXO DE INFERIORIDADE SUPERIOR
Psicomélico tinha achaques de grandeza. Não tinha um palito para espetar a gengiva, mas dizia se banquetear com arroz, carne de sol, rapadura, feijão de corda e cuscuz. Foi posto a prova; e, deu no que deu: ele comia era capim. O que é pior dividia aqueles fiapos de beiradas de barranco com a jumenta Baioka. O dia que um comia. o outro fazia jejum, pois a seca em Gorobixaba estava brava; e, os banquetes para eqüinos raros.
Baioka tinha um ressentimento racial que vinha desde que se entendeu por asna (fêmea do asno). Para ser mais explícito ela tinha era “conflexo de inferioridade superior” (sim senhor, conFlexo com “F”). Não queria ser jumenta, queria era ser mula. Por quê? Ela sabia desde a mais tenra idade que jumenta pare, mula não, é estéril. Para parir há a necessidade da fecundação. Para fecundar tem que cruzar. Cruz credo! Ah! Para ela isto não!
Naquele recanto, para não dizer fim de mundo, também vivia a mula Sussuarana; se bem que vivia não, ia aos trancos e barrancos. Magérrima, alimento escasso; e, ainda tinha de agüentar o Psicomélico como passageiro; era um ônus filho da puta!
Dizem que burrice é uma característica dos ditos cujos: burros. E mula é da laia deste. Se bem que jumenta também. Então vamos aos fatos.
Baioka propôs à Sussuarana uma troca inusitada. Sussuarana se veria livre de Psicomélico no seu lombo, desde que ela se predispusesse a cruzar com o jumento; e, lógico, no final teria que parir. E, ela Baioka se veria livre do ato da cruzação e da parição. Mas como gratidão seria de carga e equitação.
Acertadas as coisas lá com Deus, entre elas e com Psicomélico; Baioka não cabia em si de contentamento. Agora ela era superior! Que parisse quem era inferior. Deixava, pois os conflexos para Sussuarana.
Não sabia ela que Deus não daria seu aval sem uma compensação. Uma jumenta não pariria, até aí tudo bem, mas teria que ser “esposa” dos moleques desavergonhados.
Ainda assim se regozijou: ah! O dos moleques gorobixabenses era suportável!
(outubro/1979)