Treze
Ela estava visivelmente constrangida. Os olhos estavam baixos, as pernas, muito juntas, e as mãos brincavam nervosamente com a alça de sua bolsa cara. Não estava naquele ramo havia muito tempo, mas já havia feito programas o suficiente para saber quando era a primeira vez de uma mulher com um garoto de programa. De relançe, notou a sombra clara de uma aliança ausente na mão esquerda. Para os perspicazes, uma imagem vale mais do que qualquer explicação.
Aquele acanhamento todo só contribuía para ressaltar a beleza da mulher. Sim, era uma mulher muito bonita, e isso o fazia bastante contente. Devia ter pouco mais de quarenta, cabelos castanhos ondulados à altura dos ombros, grandes olhos castanhos, sobrancelhas bem feitas, mãos femininas... Era o tipo de mulher que havia desaparecido na década de 1950, mas sem carregar o fardo cansativo do velho estereótipo pin-up. Estava muito mais para uma pacata e dedicada dona-de-casa do que para o tipo provocador de mulher.
Sentou-se ao seu lado. Ela o estivera esperando na cama do quarto, contrita, receosa. Quase se encolheu quando ele se sentou. Ela tinha idade suficiente para ser sua mãe. Provavelmente, foi nisso mesmo que ela pensou quando teve coragem de erguer os olhos e observá-lo àquela pequena distância. Mas ela não era sua mãe - e só ele parecia ter isso em mente.
- Qual é o seu nome? - Normalmente, não tomava nenhum tipo de iniciativa. Não era necessário proporcionar um clima propício, na maioria das vezes. A bem da verdade, clima era uma coisa ausente em seu trabalho. Os papéis a serem desempenhados já costumavam estar muito bem decorados por ele e pelas outras, o que tornava tudo muito mais fácil. Entretanto, gostava de fazer aquele papel de galanteador, de homem que faz a corte. Ajudava a quebrar a rotina. Ajudava-o a extrair alguma coisa realmente divertida e gostosa de tudo aquilo.
Ela mordiscou o lábio inferior. O batom era muito suave, quase imperceptível. Ainda o encarava. Isso era normal. Quase ninguém estava acostumado a seus olhos em tom bordô. Era uma cor inusitada. Estranha. Assustava na mesma medida em que podia ser tremendamente instigante. Ela hesitava visivelmente. Sorriu. Um bom sorriso costumava resolver muita coisa.
- Louise - murmurou, a voz macia soando tensa.
- Louise - repetiu, quase como se saboreasse o nome dela. E era quase capaz disso, realmente. A mixórdia de sensações em que muitas vezes seu trabalho se transformava contribuía para que, de vez em quando, tivesse algum tipo de experiência quase sinestésica.
- E o seu? - A pergunta foi feita com algo bem parecido com ansiedade, e a consciência disso a fez corar suavemente. Aquilo extraiu um riso breve e tranquilo do jovem. Inclinou a cabeça para o lado esquerdo, exibindo o número tatuado em sua pele branca pouco abaixo da orelha.
- Treze? - Observou-a franzindo o cenho ao fazer a indagação. Assentiu mudamente, mantendo os olhos presos aos da mulher. Notou um movimento discreto por parte de Louise, o que culminou em um toque delicado sobre a tatuagem.
Ela deslizava as pontas dos dedos e das unhas pelo número gravado na pele do rapaz quando ele virou o rosto na direção de seu pulso e beijou-a logo abaixo da palma da mão. O toque congelou-se, e ele conseguiu notar os pelos praticamente invisíveis dos braços da mulher se eriçando num arrepio intenso. Às vezes, pensava que havia nascido para aquele trabalho. Tinha uma espécie de sensibilidade quase sobrenatural para descobrir pontos fracos nas mulheres com quem se deitava. Era um instinto raro, isso ele reconhecia, e sabia usá-lo do jeito certo.
De súbito, sem motivo aparente - embora ele o soubesse muito bem -, ela recolheu a mão e levantou-se da cama. Afastou-se dois passos. Estava confusa, e isso era visível até mesmo para o mais inepto dos homens. Passou a mão direita pelos cabelos, e o jovem garoto de programa notou como os dedos delicados dela deslizavam facilmente pelas mechas de fios castanhos. Ele levantou-se, silencioso como um gato.
- Eu não posso fazer...
- Fazer o que, Louise? - A indagação não atravessou seus lábios em um tom insolente, mas num tom indolente, cheio daquela tranquilidade experiente da qual poucos podem desfrutar. Aproximou-se dela e segurou-a pela cintura com firmeza. A carne da mulher era firme em suas ancas, mas se moldava sem dificuldade sob os dedos do rapaz. Mais uma vez, ele notou os pelos dos braços da morena eriçando. Era quase possível ouvir a voz, estrangulada na garganta por uma súbita onda de desejo, tentando forçar caminho para fora da boca. - Não pode lembrar que você ainda é uma mulher desejável, bonita e feminina?
Os braços relaxaram com aquela pergunta. A bolsa escorregou pelo braço e caiu maciamente sobre o carpete velho, porém limpo, que recobria todo o chão do quarto. O rapaz aproximou o rosto do dela - a diferença de altura era pouca, ideal - e puxou o ar para dizer alguma coisa. Nada disse. Ao sentir a orelha sendo mordida bem de leve e quase mastigada num contato breve, um gemido ronronado vibrou na garganta de Louise.
- Você pode - sussurrou ele, a voz transformada em um silvo sensual, quase ofídico. - Você quer, Louise. E você terá.
E ela teve. O maior erro de sua vida até ali transformou-se, diante de seus olhos - e entre suas pernas -, na mais deliciosa noite de sua vida. Não que o sexo em si tivesse sido tão fantástico assim. Sim, ele havia sido estupendo, era verdade, mas esse não era o maior mérito do jovem. O maior mérito dele era tê-la feito esquecer de tudo. Esqueceu-se dos quinze anos de um casamento falido, cujo sentido havia se perdido quatro meses depois dos votos na igreja. Esqueceu-se da visão dantesca de seu esposo chupando um desconhecido na sala do loft onde moravam. Esqueceu-se dos dois abortos - o primeiro, natural; o segundo, exigência dele - que acabaram com sua chance de ter sido mãe. Esqueceu-se da decepção do pai, da tristeza da mãe, dos sonhos inocentes - tão típicos de uma garota que se casou com o homem que lhe deu o primeiro beijo e a primeira noite de amor - que foram esmagados sob os escombros da realidade que havia desmoronado sobre sua cabeça. Tudo isso parecia um sonho ruim muito distante, quase inexistente.
Ainda o tinha entre as pernas. Tinha um corpo muito bem feito - provavelmente mantido à base de exercícios e uma alimentação frugal. Tinha idade suficiente para ser seu filho. Mas ele não era seu filho. Era homem demais para isso. A pressão de sua cabeça sobre seus seios era deliciosa. Enrolava os fios molhados de seus cabelos distraidamente, os olhos observando o teto com aquela expressão sonhadora de adolescente que acaba de descobrir um mundo inteiro de possibilidades e prazeres.
Algo a fez cair em si, entretanto. Sua pele não estava molhada apenas de suor. Um soluço quase inaudível fez o corpo jovem e lindo do rapaz estremecer. Ela ergueu o rosto. Alguma coisa contorceu-se dentro de si quando notou que ele estava chorando. Parecia um menino abandonado, perdido, que se agarra à primeira pessoa que encontra. Não fazia ideia do porquê ele chorava. Rapidamente, seu coração encheu-se das mais desvairadas teorias - todas, claro, apontando para ela como sendo a culpada daquele choro tão sentido. Puxou-o pelo rosto e beijou-lhe, com suavidade quase maternal, os lábios salgados.
- O que foi, meu bem? Eu fiz alguma coisa?
O rapaz fez que não com a cabeça, os olhos já vermelhos. Esfregou os olhos com o dorso da mão direita, o que o fez se parecer ainda mais com um menininho indefeso.
- É que... Você é especial, Louise. Muito. Eu gostei tanto de você, sabe?
A mulher sentiu os músculos do rosto retraindo-se ante o avanço dos lábios. Foi involuntário. Um sorriso aberto, pleno, surgiu em seu rosto. Aquele menino era um anjo. Ninguém seria capaz de fazê-la pensar o contrário.
- Então, por que está chorando?
- Porque... A gente nunca mais vai se ver, e... E eu queria tanto...!
Envolveu-o com os braços, aconchegando-o juntinho de si, e encheu seu rosto de beijos carinhosos. A tristeza dele era genuína, tão sincera quanto suas palavras, e aquilo a deixou à beira das lágrimas. Era muito improvável ter encontrado tudo aquilo que nunca teve de seu esposo nos braços de um garoto de aluguel.
- A gente vai se ver ainda, meu anjinho - consolou-o, a voz adotando um tom quase maternal. Provavelmente teria consolado daquele mesmo jeito os filhos que nunca chegou a ter. O jovem olhou-a nos olhos. Aquela promessa fez seu coração doer ainda mais, mas, ao invés de retomar o choro copioso e manso de antes, sorriu, tão triste quanto alguém poderia estar. Eles não se veriam mais, e a certeza daquilo era algo além da compreensão dela. Melhor seria não dizer nada.
Não demoraram muito a ir para o banheiro. Lá, amaram-se - sim, pois aquilo já havia, em tão pouco tempo, transcendido o nível de transa paga - mais uma vez e, então, tomaram um banho caprichado em meios a carinhos e brincadeiras. Ela não notou a pele em torno da tatuagem levemente avermelhada, irritada, como se alguma reação alérgica estivesse em curso. Também pareceu não notar as poucas vezes em que ele coçou a tatuagem. Talvez até tivesse notado, mas estava tão leve, tão plena, que qualquer coisa perto das sensações e dos sentimentos que a dominavam parecia sem importância.
Enxugaram-se, vestiram-se e, então, despediram-se um do outro. A tristeza era palpável no jovem, acumulada sobre a superfície de sua alma, reluzente sob seus olhos grandes e transparentes. Esqueceu-se do dinheiro. Ele não disse nada. Com um beijo, despediram-se à porta do quarto. A tatuagem coçava mais do que nunca. O coração dele batia acelerado. O número em seu pescoço parecia em brasa. Queimava a pele. Trancou a porta e, em passos incertos, caminhou até a janela. Três andares abaixo, viu Louise surgir na rua. Ela virou-se para trás. Fitou-o de um jeito certeiro. Ele sentiu o peso aconchegante do olhar dela sobre si. Acenou. Ela também. Parecia sorrir. Não saberia dizer. Estava longe.
O táxi surgiu do nada, e a primeira coisa que atingiu foi as pernas da mulher. Seu corpo projetou-se contra o parabrisa, que rachou no ponto em que sua testa se chocou contra o vidro. Parecia uma teia de aranha desenhada contra a superfície luzidia. O carro deslizou alguns metros enquanto brecava. O corpo rolou para o lado, caindo de um jeito estranho, bizarro, sobre o asfalto. Nenhum movimento. Na penumbra do quarto, contra o vidro da janela, pôde ver brilhando, em vermelho-vivo, como se fossem feitos de ferro incandescente, os algarismos que marcavam sua pele. Treze.
Sentou-se na cama, tirou a camiseta e se deitou. Suspirou novamente. O cheiro dela ainda estava na cama. Relembrando os momentos deliciosos que passara com Louise, cedeu ao sono. Não sentia nada além do gosto amargo de sua sina e da certeza de que, ao menos uma vez, havia feito alguém feliz.